Egas Moniz

Espólio Casa Museu Egas Moniz / Câmara Municipal de Estarreja

Não me atrevo a classificar Egas Moniz como um homem de letras no sentido corrente da expressão, pois tão pouco tinha um estilo próprio a caracterizar a sua escrita, mas como escritor ele foi puramente espiritual e afetivo, objetivo, correto e diversificado, analítico e narrativo, sem nunca deixar de ser elegante na sua forma de expressão.
A sua escrita, revela uma beleza e formas muito peculiares, pois está impregnada de um bucolismo tocante, tal qual uma pintura naturalista, ao mesmo tempo que a todo o momento faz referências ao seu torrão natal e às suas origens.

Escrevia como conversava , daí que ressalta inequivocamente facilidade de oratória, sendo por isso bastante transparente e transbordante na sua comunicabilidade.
Em quase todas as suas publicações ressalta a sua faceta de investigador, pois nos seus escritos denota um estudo apurado e minucioso que muitas vezes apetece quase classificar de didático. De entre a sua vasta bibliografia há obras que merecem uma breve análise, tal é o caso de “ Confidências de um Investigador Científico”, pois esta é quase como o espelho da personalidade do autor

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é um escrito calmo, minuciosamente descritivo e muito concreto dos factos ocorridos, ao mesmo tempo que tece bastantes considerações críticas sobre a investigação científica em Portugal, mostrando a todo o momento o ceticismo do ambiente médico e do marasmo científico que vivia o país.
Nesta obra em que o autor afirma” A ânsia para aumentar o património científico sempre me seduziu” conseguimos apreender a diversidade das aptidões do autor, a universalidade do seu saber e a pluralidade do seu pensamento, sem nunca deixar de mostrar que a sua

odisseia científica foi conseguida vencendo muitas frustrações e desalentos como afirma Egas Moniz “ Neste volume poderão aprender alguma coisa aqueles que desejam seguir o escabroso caminho da investigação cientifica especialmente no campo dedicado à clínica, é uma obra aliciante e viva, como aliciante e viva é a sua personalidade”.
“A Nossa Casa” relata os acontecimentos mais relevantes da sua infância e juventude, exprime o seu culto aos sentimentos familiares onde faz abundante reposição de

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memórias dos seus antepassados, bem como da sua ligação à região. Diz-nos o autor “Elaborei-o numas férias em sossego, para que a memória me trouxesse com exatidão factos que embora não esquecidos precisavam de ser vestidos de pormenores que a pouco e pouco foram recordados”. Narração sem alvoroços de estilo, ao correr da pena, crónica de vida provinciana de há muitas dezenas de anos, recordação de diabruras de criança demasiado irrequieta.

“ A Nossa Casa” permite-nos vislumbrar todo o carinho e dedicação à esposa, senão não se perceberia a dedicatória: Todos os da Casa do Marinheiro te oferecem o primeiro volume de “ A Nossa Casa” a eles me associo comovidamente, companheiro dedicado nas horas boas e más de há 50 anos.
A nota dominante deste livro é o comovido apelo ao ambiente familiar “templo de confraternização. Amizade, harmonia em que sempre viveu a minha família.

Não me considero um Homem de Letras, embora a elas me entregue nas horas de repouso. Foi à ciência médica que dei o máximo do meu esforço e da minha atividade.
Egas Moniz1
Conferência sobre Guerra Junqueiro

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Um outro aspeto que seduz Egas Moniz é a obra de Júlio Diniz, quer pela beleza espiritual dos seus romances, quer pela localização dos seus personagens na região ribeirinha. Esta sedução” acontece porque Júlio Dinis foi um delineador e criador de tipos que transparecem à ingenuidade e aos valores do nosso povo.
Devemos destacar igualmente “A vida sexual,” na qual Egas Moniz teve a audácia de escolher um tema que poderia escandalizar muitos dos seus contemporâneos.

É mesmo possível que isso fosse um risco calculado, mas temos de atribuir-lhe merecimento por esse facto. Penso que é de justiça reconhecer que o autor pretendia sustentar a tese da sexologia como ciência séria.
Escreveu sobre Malhoa, Camilo, Dantas, Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes, Silva Porto, Papa João XXI, entre outros sempre com generosidade e rigor científico, o que denota a pluridisciplinaridade do seu saber e a magnitude de carácter que o caracterizava.


1 António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz (1874-1955). Clínico, Político, Investigador, Ensaísta, Professor e Cientista, inventou a Angiografia Cerebral em 1927 e foi galardoado com o Prémio Nobel a 27 de outubro de 1949, pelos seus trabalhos no domínio da Leucotomia Pré-Frontal.
2 Segundo João Lobo Antunes em “Egas Moniz: Uma Biografia”, na bibliografia científica e literária de Egas Moniz editada em 1963 pelo Centro de Estudos que tem o seu nome, constam 370 títulos. A breve nota introdutória a esta publicação salienta, avisadamente, que a divisão de obra multímoda de Egas “em diversos aspetos: científico, divulgação, biográfico, crítico de arte ou puramente literário será sempre um tanto arbitrária, de critério duvidoso e por vezes seguramente incorreta”. Egas escrevia bem e escreveu muito. Naturalmente são os seus trabalhos científicos, sobretudo os que se referem angiografia cerebral, pela abundância e novidade da informação, os que mais interesse têm despertado aos estudiosos da sua obra. O que não é habitualmente salientado, é como aqueles são modelares na minúcia e na precisão das observações, na objetividade do relato, no rigor da prosa, por outras palavras, seja-me perdoada a franqueza, tão “anglo-saxónicos”.

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