Fukushima

Às 14h46 de 11 de Março de 2011 teve lugar o maior tremor de terra registado na história do Japão: um sismo de 9,1 de intensidade que deslocou partes da ilha de Honshu 2,4 metros em direção aos Estados Unidos, alterou em 10 cm a inclinação da terra sobre o seu eixo, aumentando ligeiramente a sua velocidade de rotação. Não seria diretamente o sismo, mas o sequente maremoto que iria causar mais de vinte mil mortos, milhares de feridos, 220 mil deslocados e perdas económicas que o Banco Mundial cifrou em 235 mil milhões de USD, tornando-o no mais oneroso desastre natural de sempre.
Tinha chegado ao Japão três semanas antes para assumir a chefia da nossa Embaixada, estando ainda na fase de visitar o maior número de interlocutores no menor espaço de tempo. Os diversos encontros dessa manhã tinham-se arrastado e acabei por só entrar no meu gabinete já passava em muito das duas quando o tremor de terra começou e foi progressivamente aumentando durante dois longos minutos provocando tanto a queda dos quadros das paredes, como os écrans dos computadores, até que uma enorme e pesada peça de cristal da Atlantis saltou de uma prateleira e estilhaçou-se no chão a vários metros da estante que adornava. Pouco a pouco, como em câmara lenta, a amplitude brutal dos solavancos foi diminuindo e, quando tudo terminou, tomámos a decisão de ir para o recreio de uma escola muito perto da Embaixada, a zona prevista de evacuação em caso de sismo violento. Levámos connosco um telefone satélite – os telemóveis tinham deixado de funcionar – para poder avisar o Ministério do que tinha acontecido e solicitar a reunião imediata do núcleo de crise. De regresso à chancelaria verificámos que os estragos eram grandes, só a rede fixa ainda funcionava e assistimos na televisão, que transmitia a partir de um helicóptero, à chegada em direto do tsunami à costa de Honshu começando a ficar claro para todos nós a magnitude do desastre. Com um grupo de funcionários expatriados, resolvemos então ir para a residência para iniciar os contactos com os portugueses que residiam na zona mais afetada, dando aos colaboradores japoneses a possibilidade de começarem a longa caminhada para casa, numa cidade onde os transportes públicos tinham deixado de funcionar e o trânsito tendia a transformar-se num caos absoluto.
O sismo teve lugar na sexta-feira e logo no sábado, a meio da tarde, começaram a surgir as notícias de que a central nuclear de Fukushima se debatia com problemas graves dado todos os sistemas de refrigeração, incluindo os de emergência, terem sido danificados pelo tsunami, o que saldou na fusão do núcleo de três reatores e no maior desastre nuclear de sempre cujas consequências ainda perduram.

Iríamos demorar vários dias para ter a certeza de que todos os portugueses no Japão se encontravam bem e foi igualmente difícil – algumas companhias tinham deixado de voar para Tóquio e a procura para sair do país era enorme – repatriar os nacionais que se encontravam no Japão em viagens de trabalho ou de turismo. Pouco a pouco a cidade foi-se esvaziando, o que se acentuou quando surgiu o alerta oficial para não consumir água da torneira, aviso infundado que quase se saldava numa onda de pânico.
Entre a proteção dos nacionais, as reuniões no Ministério dos Negócios Estrangeiros, as coordenações da União Europeia e as solicitações dos meios de comunicações nacionais, 24 horas mal chegavam para dar resposta às necessidades, tudo agravado pela diferença horária entre Lisboa e Tóquio (+9 Horas).
Registar-se-iam milhares de réplicas do sismo inicial durante os seis meses seguintes, centenas das quais muitos fortes, sendo sempre o chocalhar dos caixilhos das janelas que alertava para a iminência de um tremor de terra. Num momento de maior calma reli uma carta que o Padre Luís Fróis enviou do Japão em 1569 descrevendo um tremor de terra e um maremoto que assolou a zona de Oita a mais de mil km de Tóquio. O missionário refere que numa noite sem vento “chegaram as ondas com muito barulho e estrondo” lavando tudo e regista que se salvou “o Braz” de Okinohama, mas a ilha onde ele vivia com a família tinha desaparecido para sempre.
Os japoneses aprendem na escola que chegámos ao Japão em 1542, ali ficámos quase durante um século, introduzimos a medicina ocidental – efetuando as primeiras operações, criando uma escola de medicina e construindo os primeiros hospitais – as armas de fogo que iriam permitir a unificação do país, introduzimos novas técnicas de pintura, de navegação e centenas de palavras ainda hoje de uso corrente (pan, bidro, etc). Para os japoneses continuamos a ser os descendentes dos primeiros ocidentais que chegaram ao país e os colocou em contacto com a modernidade de então, através de transferências tecnológicas que foram aperfeiçoadas nos anos seguintes.
Mantém-se vivo na sociedade civil japonesa um enorme carinho pelo nosso país que é potenciado pelas dezenas sociedades de amizade luso-nipónicas espalhadas pelo Japão, todas fundadas, financiadas e dirigidas por japoneses que ativamente promovem a nossa história e a nossa cultura.
Ao contrário do que é aqui voz corrente, existe interesse e admiração pelo nosso país no estrangeiro, como o Eng.º António Guterres pode constatar na campanha que efetuou nos três continentes para o cargo de SG quando afirmou: “poucos aqui têm consciência da enorme boa vontade que existe no mundo relativamente a Portugal”.

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