Grande Entrevista Francisca Van Dunem
Ministra da Justiça
Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem nasceu em Luanda, em 1955.
É Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em julho de 1977.
Magistrada do Ministério Público desde setembro de 1979.
Foi monitora de Direito Penal e Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa entre 1977 e 1979.
Foi assessora de sindicância e inquérito na Alta Autoridade contra a Corrupção, entre 1985 e 1987, em comissão de serviço. Delegada do Procurador da República no Tribunal do Trabalho, no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
Integrou o Gabinete do Procurador-Geral da República entre 1999 e 2001. Foi diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa entre 2001 e 2007.
Procuradora-Geral Distrital de Lisboa, de 2007 a 2015, ano em que suspendeu funções
para tomar posse enquanto Ministra da Justiça do XXI Governo Constitucional.
Muito agradecidos por nos conceder a honra desta entrevista.
Ora essa, é um prazer.
Tendo presente o seu destacado currículo profissional, assumir a pasta governativa da Justiça era algo que fazia parte dos seus planos e ambições profissionais? Como encarou este convite e desafio?
Nunca esteve nos meus planos exercer uma atividade política. Sou magistrada de carreira. Na altura em que surgiu o convite para integrar o XXI Governo terminara a minha carreira no Ministério Público e preparava-me para uma nova etapa no Supremo Tribunal de Justiça. De alguma forma, tencionava começar a desacelerar o ritmo intenso de trabalho de uma vida. Mas a existência é feita de imprevisíveis. Costumo, aliás, dizer que o meu presente é o mais imprevisível de todos os futuros que pudesse imaginar.
Relativamente ao convite e às razões que me levaram a aceitá-lo, diria que tenho do serviço público uma noção de gratificação e de honra. E é por isso que aqui estou. Julgo que a passagem do tempo, e inerente maturidade, implicam uma consciência profunda de que servir os cidadãos constitui, só por si, um exercício profundamente nobre e compensador, independentemente das dificuldades que possam surgir. E surgem, claro.
Considera que as várias experiências e responsabilidades que teve ao longo da sua carreira foram indispensáveis e fundamentais para poder assumir uma pasta com a dimensão que a Justiça merece?
Ingressei na magistratura do Ministério Público em 1979, num tempo sequente à Constituição de 1976, em que verdadeiramente se debateram questões fundacionais como a independência dos Tribunais, a autonomia do Ministério Público e a arquitetura do próprio sistema de Justiça. Desse tempo ficou-me uma clara noção do conteúdo dos princípios e dos seus limites.
Exerci funções no Tribunal do Trabalho. Na investigação criminal, primeiro no Tribunal de Instrução Criminal (TIC), depois no DIAP, experimentei uma intervenção ativa.
Quando assumi funções diretivas no DIAP de Lisboa, em 2001, empenhei-me em encontrar soluções para atenuar a crise da Justiça de que já então se falava. Vivi longos anos a trabalhar para aprofundar o conhecimento do sistema, para pensá-lo nas suas capacidades e fragilidades.
O início da implementação das comunicações eletrónicas, com as estruturas de apoio à investigação, a criação de uma estrutura autónoma de tratamento dos segmentos da pequena e média criminalidade e a criação de equipas transversais com funções de suporte em áreas de interesse comum, a regulação das conexões interdepartamentais, a articulação ativa e permanente com os órgãos de polícia criminal, tudo isso facilitou o processo de transformação que se fez sentir, e no qual me orgulho de ter participado intensamente.
Já a minha entrada na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa coincidiu com o pensar das reformas que pretendiam assegurar ao sistema os instrumentos de gestão e uma escala territorial que os racionalizasse. Esse foi o tempo da implementação das grandes comarcas em regime de piloto. É também o momento em que passei a integrar o Conselho Superior do Ministério Público, sentindo de um modo distinto o pulsar de toda a organização e do próprio sistema de Justiça.
Os tribunais articulam-se com todos os subsistemas da Justiça, dos registos e notariado à medicina legal e ciências forenses. Não operam em espaço fechado.
Julgo que este percurso longo, diversificado e complexo, não pode deixar de refletir-se nas minhas visões e ações presentes.
Em Portugal, enquanto estado de direito democrático, reforçado por ser um país membro da União Europeia, a Justiça assume um papel fundamental na governação do país, na garantia da democracia e dos direitos humanos, assegurando os valores “todos iguais perante a lei” e “todos têm garantias legais” ou ainda “todos têm direitos iguais”. Na assunção destes pressupostos, quais foram os grandes desafios e prioridades que agarrou quando assumiu funções no Governo?
Creio ter-me confrontado com um desafio fundamental, que foi o de promover a melhoria do acesso, a simplificação e agilização da resposta do sistema de Justiça, num ambiente de recursos escassos, alguma desconfiança e grande insatisfação.
Nessa perspetiva, a intervenção no mapa judiciário – reaproximando milhares de cidadãos dos tribunais, em particular nos territórios mais envelhecidos e desertificados do País – constituiu uma das primeiras prioridades. Depois, a alocação de recursos para garantir uma aproximação ao direito dos cidadãos a uma “decisão em prazo razoável” como previsto na Constituição; numa terceira linha, a facilitação do acesso à informação, não só no sistema judicial como também nos registos. A conceção e execução do programa Justiça + Próxima, com a panóplia de medidas que integra, como a possibilidade de acesso remoto aos processos judiciais, a obtenção por via remota de certidões da mais variada índole, a simplificação de todos os momentos que marcam o ciclo de vida dos cidadãos e das empresas, foram também passos determinantes no sentido da facilitação do acesso à justiça pelos cidadãos.
A grande reforma do sistema judicial, numa das suas mais debatidas fragilidades – a morosidade, que fomenta também a perceção de desigualdade – passa pelo aumento da especialização dos tribunais, que temos vindo a introduzir, pela alteração dos métodos de trabalho e das culturas organizacionais, em especial na vertente burocrática do funcionamento dos tribunais. Daí a importância da simplificação, da introdução de melhores recursos tecnológicos, da criação de automatismos para atos meramente repetitivos e em massa, de todo o programa Justiça + Próxima na componente do sistema judiciário.
Que balanço faz do seu primeiro mandato?
É difícil ser juiz em causa própria. Mas creio que globalmente conseguimos alcançar os principais objetivos do Programa do Governo. Introduzimos um conjunto de medidas que permitiram reduzir significativamente as pendências processuais, o que favorece a aceleração dos tempos de resposta, reduzindo a morosidade; fizemos um exercício de revisão do mapa judiciário definido em 2014, corrigindo-o nas suas assimetrias e disfuncionalidades; melhorámos a capacidade de autoconhecimento e de planeamento dos meios afetos aos tribunais, através de indicadores de gestão; aprovámos um pacote substancial de reformas para a jurisdição administrativa e tributária; alterámos radicalmente o paradigma de proteção dos adultos com capacidade diminuída, com a abolição dos institutos da interdição e inabilitação e a criação da figura do maior acompanhado, dando, nessa matéria um salto civilizacional da maior relevância, sobretudo no contexto de uma sociedade envelhecida e com alta prevalência de patologias incapacitantes; alterámos o regime das penas curtas de prisão, substituindo-o pela prisão no domicílio com vigilância eletrónica, que oferece maiores garantias no plano da ressocialização; dialogámos e encontrámos os equilíbrios necessários à revisão dos estatutos das magistraturas, da orgânica e das carreiras da Polícia Judiciária, bem como das carreiras dos registos e notariado; aprimorámos o Estatuto do Corpo da Guarda Prisional.
Com a criação do portal da justiça, o Justiça.gov, disponibilizámos mais informação e melhor acesso aos serviços online que o sistema de justiça presta.
Julgo que pusemos em marcha um processo de modernização que não é já suscetível de reversão.
Uma das críticas que se faz à Justiça é a sua lentidão. Concorda com esta crítica?
Não é boa política ignorar a realidade. A Justiça melhorou muito, no plano da lentidão, mas precisamos claramente de ir mais longe, sobretudo na área administrativa e tributária.
Reduzimos as pendências processuais de 1 milhão e duzentos mil em 2015 para 720 mil, no final de 2020, mantendo o nível de efetivos. A capacidade de resposta da esmagadora melhoria dos tribunais melhorou, sensivelmente, não só em função disso como também em resultado de uma diminuição do número de litígios, fruto da retoma económica. O tempo de vida dos novos processos entrados conhece já uma redução assinalável. A duração média das ações cíveis findas no terceiro trimestre de 2021 foi de 11 meses, o valor mais baixo entre períodos homólogos desde 2007.
Creio que estes dados ajudam a compreender que a morosidade tem estado a ser efetivamente combatida, com resultados visíveis.
Como seria previsível, a Pandemia desacelerou o processo de redução do tempo de vida dos processos, mas acompanhamos a situação e, conjuntamente com os conselhos superiores – que são os responsáveis pela gestão dos magistrados – identificaremos as respostas para retomar essa dinâmica.
Numa das suas declarações públicas, o Presidente da República afirmou que “uma justiça lenta é uma justiça que é um travão em termos económicos, culturais e sociais”. Considera a Justiça um fator de competitividade da economia e das empresas? Essa competitividade não está a ser comprometida e será efetivamente um travão se a Justiça não for célere?
Eis uma área em que a modernização pode fazer toda a diferença. E a verdade é que temos trabalho feito e espaço para evoluir. A mais recente avaliação dos sistemas de justiça da União Europeia, contemplada no EU Justice Scoreboard, coloca Portugal em sétimo lugar na disponibilização de meios eletrónicos nos tribunais, face ao grupo de 27 países que participou no estudo. O processo de inovação e transformação digital na Justiça portuguesa tem sido apontado como exemplo no plano europeu e internacional e está a ser acompanhado de muito perto pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).
A transformação digital e a modernização na Justiça são um poderoso instrumento do acesso ao direito por parte dos cidadãos, mas também no que toca à alavancagem da recuperação económica. O atual plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é bastante incisivo na questão das reformas da Justiça económica e ambiente de negócios.
Pretendemos que a Justiça se assuma como fator catalisador da mudança no sentido da simplificação, do “Digital por definição” e na facilitação das interações com os cidadãos e empresas, através da transformação tecnológica, procedimental, legal e da capacitação dos seus colaboradores.
Este reforço significativo correspondente a um investimento de 266,9 milhões de euros irá materializar-se nas Plataformas Digitais dos Tribunais (incluindo TAF e Insolvências), nas Plataformas Digitais para Ciclos de Vida dos Cidadãos e das Empresas (incluindo recuperação e competitividade), nas Plataformas Digitais para a Investigação Criminal e Forense, nas Plataformas de gestão de conhecimento e no Reforço das Infraestruturas e Equipamentos Tecnológicos.
A reforma da Justiça constitui um dos principais desafios enfrentados pelo Governo, tendo em conta a importância deste setor para a confiança dos cidadãos e agentes económicos na Justiça e no Estado. Quais têm sido os grandes desafios do Governo para a reforma da Justiça?
Em linha com os objetivos estratégicos que definimos, elegemos cinco eixos fundamentais de ação política: melhoria do acesso ao direito; aprofundamento do processo de transformação digital e de modernização dos serviços; melhoria da capacidade de gestão do sistema judicial, reforço da proteção dos cidadãos mais vulneráveis e intensificação do esforço de combate à corrupção.
Essas linhas de ação pressupõem um esforço financeiro não despiciendo, para assegurar mais e melhores meios de ação para os tribunais, para o sistema de acesso ao direito, para a investigação criminal, para a medicina legal e ciências forenses, para os registos, para a propriedade industrial. Trabalhamos para acelerar os processos de transição digital, para melhorar as condições de apoio às vítimas de crimes violentos, para melhorar as condições de reclusão e de acolhimento nos centros educativos, para voltar a motivar grupos que se viram subitamente limitados na dimensão da progressão nas respetivas carreiras ou privados de rendimentos que tinham por seguros… E os equilíbrios e opções nem sempre são fáceis.
Manter o esforço de inovação e de aperfeiçoamento permanente dos sistemas de informação dos tribunais, tornando-os ainda mais amigáveis e aumentando-lhes as funcionalidades para que sirvam de apoio efetivo à realização da esmagadora maioria do trabalho de magistrados e oficiais de justiça, continuando a evoluir na desmaterialização da relação entre o tribunal e outras entidades públicas e privadas implica, para além de meios financeiros substanciais, recursos humanos qualificados e motivados.
A alteração de comportamentos e a resistência à mudança são sempre fatores que condicionam a mudança nas organizações. O grande desafio, sobretudo quando se trabalha com instituições caracterizadas pela independência e pela autonomia, é a inclusão. A participação responsável das entidades que têm de interagir, cada uma no quadro das suas competências específicas.
Mas, para além da realidade, enfrentamos ainda a dificuldade de alteração das perceções, por vezes fundadas no caso ou na mera repetição de lugares comuns…
Que políticas e instrumentos têm sido adotados em termos de modernização, simplificação, qualificação e melhor compreensão da Justiça?
Falámos já do processo de transformação digital na justiça, que está estruturado em torno do nosso programa Justiça + Próxima, com cerca de 140 medidas distribuídas por quatro pilares estratégicos de desenvolvimento: Eficiência, Inovação, Proximidade e Humanização.
O pilar eficiência engloba medidas que visam melhorar a gestão do sistema, promovendo a simplificação e a desmaterialização de processos, avaliar, alterar ou eliminar metodologias desatualizadas, procedimentos e atos desnecessários, com foco no Cidadão. De forma a robustecer a Inovação comprometemo-nos a desenvolver novas abordagens de suporte à transformação da Justiça, potenciadas por inovadoras soluções tecnológicas, incentivando a colaboração entre agentes judiciais, universidades, investigadores, empresas, comunidade tecnológica e de empreendedores.
Na alínea da Proximidade destacamos a criação de serviços mais próximos dos cidadãos e empresas, com simplificação e clareza, eliminando formalidades e procedimentos, e fomentando a integração e difusão em diferentes canais.
Por fim, no que toca à Humanização, destaco o reforço de melhor acolhimento nos espaços públicos e condicionados da Justiça, a promoção, qualificação e formação dos agentes que lidam com cidadãos privados de liberdade, e o investimento na reinserção social pela capacitação e empregabilidade e através da prevenção da reincidência criminal, em prol da dignidade humana.
Existe uma discussão, de longa data, envolta em polémica, que visa os três poderes do Estado. Ou seja, no âmbito do poder legislativo, os lobbies que supostamente existem da criação de leis à medida para beneficiar interesses diretos de empresas e grupos económicos. Sendo o poder judiciário, por um lado, aquele que controla a constitucionalidade das leis e averigua a compatibilidade das normas com a Constituição da República e, por outro, a responsabilidade e obrigação de justamente solucionar as controvérsias que podem surgir com a aplicação da lei, como se controla este tipo de “lobbies legislativos”? É da opinião que os deputados devem exercer a sua função em regime de exclusividade, precisamente para evitar estas tentações?
O Parlamento, no âmbito do chamado “Pacote Transparência” tem vindo a discutir a questão do lobbying.
O controle do que chama lobbies legislativos faz-se desde logo com a introdução de transparência e publicidade obrigatória de todas as interações que haja com terceiros, desde o início do processo legislativo. É a regra da “pegada legislativa” que implica que todos os contactos tidos no âmbito do processo legislativo ou com vista a iniciar um processo legislativo fiquem adequadamente registados: Quem abordou quem? Que propostas e sugestões foram feitas?
A existência de registos de pessoas e entidades que exerçam o lobbying e a publicitação das intervenções no âmbito dessa atividade também pode auxiliar no controle e escrutínio que se impõe fazer. Não penso que a exclusividade gere, de per si, uma espécie de imunidade em relação a influências externas.
Existe, em Portugal, uma Justiça para ricos e poderosos e outra para os pobres e anónimos? Em que medida pensa ter contribuído para que tal não aconteça?
A ideia de Justiça com dois padrões de resposta é alimentada pela perceção de diversas velocidades entre os processos que envolvem cidadãos anónimos e os que envolvem cidadãos com níveis elevados de riqueza ou grande notoriedade pública.
Colhe-se a impressão de que os cidadãos mais favorecidos, no plano económico, social ou político, têm acesso a melhores garantias de defesa porque têm meios quase infinitos para litigar.
No plano formal, as garantias de defesa são iguais para todos os cidadãos. Na dimensão prática, quem tiver mais condições de riqueza poderá, de facto, ir mais longe na litigância, tal como poderá beneficiar de melhor educação formal ou de melhores recursos, no plano da saúde. A questão da desigualdade económica afeta tanto a Justiça como outros setores da nossa vivência em comunidade.
Depois, é também verdade que a investigação da criminalidade a que essa categoria de cidadãos aparece mais frequentemente associada é, normalmente mais complexa, pela sua natureza e por envolver áreas do saber que não estavam tradicionalmente ligadas à investigação criminal: a economia, o setor financeiro, os mercados de capitais e de valores mobiliários…
A alteração do Estatuto do Ministério Público, melhorando as condições dos magistrados dos departamentos em que o Ministério Público dirige a investigação criminal – os DIAP; a reorganização da Polícia Judiciária; o reforço dos meios humanos do Ministério Público e da Polícia Judiciária, foram medidas tomadas pelo Governo para melhorar a capacidade de resposta à criminalidade mais complexa.
Para além disso, a comparação do nosso modelo com o de países com uma matriz jurídica semelhante à nossa permitiu-nos identificar algumas respostas que poderão ajudar à aceleração do tempo nos processos mais complexos.
Temos em curso iniciativas legislativas tendentes a facilitar a separação de processos relativos a um mesmo agente, que esteja a ser investigado por várias ações, e também a consagrar formalmente a possibilidade de se fazerem acordos sobre a sentença, dispensando-se a produção de prova em julgamento, se o agente confessar os crimes.
Posso dizer que a capacitação tecnológica da Polícia Judiciária, bem como o reforço de meios humanos desta polícia e do Ministério Público, permitem hoje resultados mais consistentes no plano da investigação. Devemos, seguramente, encarar a especialização na criminalidade económico-financeira numa perspetiva integrada que abranja o inquérito, a instrução, o julgamento e o recurso. E reforçar os mecanismos de assessoria técnica.
O caso do Procurador Europeu José Guerra – nomeado em julho do ano passado – e dos lapsos do seu currículo está “encerrado”? A nomeação deste procurador Do Ministério Público, escolhido pelo Governo português, é para manter?
As acusações imputadas ao Ministério da Justiça, de que as competências de José Guerra para o cargo foram inflacionadas para justificar a sua escolha em detrimento de outro magistrado colhem fundamento ou considera que a extensão da gravidade está a ser empolada?
O Governo mantém a indicação que transmitiu que, como referi já abundantes vezes, resultou de uma seleção feita pelo Conselho Superior do Ministério Público, órgão independente do Governo e com competência para a gestão e avaliação dos magistrados. O Conselho abriu um concurso e graduou o candidato José Guerra em 1.º lugar, com 14 pontos de diferença relativamente à candidata que veio a ser posicionada em primeiro lugar pelo Painel Europeu de Seleção. Como é público e resulta expressamente da legislação europeia sobre esta matéria, o parecer daquele painel de seleção não era vinculativo para o Conselho, órgão competente para a decisão.
Não, não têm qualquer fundamento. Como ficou demonstrado pelo resultado do concurso interno, que foi organizado por uma instituição que conhece os percursos profissionais dos magistrados e está habituada a compará-los e graduá-los, o candidato nomeado era o que reunia melhores condições para o cargo com uma distância muito grande em relação à terceira classificada. Por isso, a ideia de que os lapsos identificados visavam empolar o seu curriculum, é totalmente carecida de fundamento.
Sentiu que este processo enfraqueceu o seu lugar como ministra da Justiça, sobretudo quando viu partidos da oposição a pedir a sua demissão e o próprio presidente Marcelo Rebelo de Sousa a considerar um “desleixo lamentável”?
Relativamente à oposição, recordo que foi deste Governo que partiu a iniciativa de atribuir aos conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público as competências para a seleção dos candidatos. Considerámos que ambas as instituições estavam em melhores condições para orientar o Governo. Não deixa, pois, de ser curioso que a mesma oposição que nunca investiu no aperfeiçoamento do processo de seleção de titulares de cargos desta envergadura venha agora acusar o Ministério da Justiça de ser parcial. Pergunto-me ainda o que teria acontecido se fôssemos contra a decisão do Conselho Superior do Ministério Público…
Considera que este caso pode manchar a credibilidade de Portugal lá fora e manchar a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia?
O Governo de Portugal empenhou-se fortemente na constituição da Procuradoria Europeia, participando logo no primeiro grupo de Estados que a ela aderiu. O XXI Governo desbloqueou uma negociação que estava estagnada, por parte de Portugal. A credibilidade e interesse do nosso país jogou-se nessa altura, com esse impasse.
No quadro da Presidência do Conselho, tudo temos feito, apoiando a Comissão no sentido de acelerar a implementação das estruturas da Procuradoria Europeia e permitindo a sua rápida entrada em funcionamento.
A corrupção tem sido tema de debate e de reflexão por muitos intervenientes. O que tem sido feito pelo seu ministério para combater este flagelo económico e social que tanto desprestigia e compromete a nossa nação? Como interpretou o caso Manuel Vicente, em que claramente cheirou a chantagem e permitiu que o caso não fosse julgado em Portugal?
O combate à corrupção é uma das linhas fundamentais de atuação deste Governo.
Identificámos um amplo conjunto de medidas e temos em marcha uma estratégia nacional integrada, que compreende a prevenção e a repressão dos fenómenos corruptivos, que robustece instrumentos jurídico-processuais já existentes e que prossegue o reforço de recursos humanos e tecnológicos do Ministério Público, da Polícia Judiciaria, dos serviços prisionais e do Centro de Estudos Judiciários.
Sabemos que apesar do que já foi feito no passado para combater o fenómeno, persiste socialmente a ideia de que os fenómenos corruptivos atravessam amplos setores das atividades política, administrativa e privada e que o Estado não tem conseguido prevenir, detetar e reprimir eficazmente a corrupção.
A estratégia desenhada visa promover a transparência e integridade como valores comuns, o fortalecimento das instituições públicas e o aumento da confiança dos cidadãos nas mesmas, bem como assegurar o igual tratamento de oportunidades para todos.
A Estratégia tem uma dimensão preventiva e uma repressiva. Creio que a prevenção é a única forma de ir às raízes do problema. Mas não ignora as dificuldades ao nível da repressão, desde logo com o conhecimento atempado dos factos pelo Ministério Público ou com a necessidade de instituição de mecanismos que facilitem a quebra dos pactos de silêncio.
Em jeito de conclusão e mensagem aos portugueses, o que pode o povo português esperar da Justiça em Portugal?
Uma Justiça mais próxima, mais humanitária e mais ágil.
O ano de 2020 trouxe-nos sofrimento, perda de vidas, privação de contacto físico, desagregação do tecido produtivo e uma generalizada quebra de rendimento das famílias e das empresas. Foi um ano de desestruturação das nossas organizações, de redução da capacidade de resposta dos nossos serviços, de desmobilização da confiança que os cidadãos vinham adquirindo no nosso empenho e vontade de construir um país mais justo, mais coeso e mais solidário.
A justiça não passou incólume à devastação causada pela Pandemia, mas é nossa vontade e dever, criar condições para inverter a situação no plano da saúde pública, com a inerente retoma da economia, a melhoria do emprego e das condições de vida das famílias, a normalização da atividade da administração e o regresso gradual ao lugar em que nos encontrávamos em março de 2020.
A resposta da justiça, neste contexto pandémico, foi muito facilitada pelas iniciativas em matéria de digitalização, de modernização e de simplificação executadas no âmbito do Programa Justiça + Próxima.
O aumento da oferta de serviços digitais na plataforma digital da Justiça permitiu garantir níveis mínimos de serviço em matéria registral. E o percurso que vínhamos fazendo facilitou a construção, no espaço de uma semana, de uma solução eletrónica para os registos de nascimento, que desde abril de 2020 podem ser efetuados eletrónica e gratuitamente a partir de casa. Gostava de referir, a título de exemplo, que do total de 61.416 nascimentos registados entre 14 de abril de 2020 e 28 de fevereiro de 2021, 28.120 foram efetuados online, com clara vantagem para a segurança dos cidadãos em contexto de Pandemia.
Ainda no capítulo da modernização da justiça, se em janeiro de 2019 foram emitidos 9.670 certificados relativos ao registo criminal, esse número cresceu para 16.404 em janeiro de 2020 e para 24.256 em igual período deste ano.
Por outro lado, é com ânimo que verificámos que 83% das diligências processuais contabilizadas entre setembro de 2020 e janeiro de 2021 foram realizadas, sendo que apenas 2% tiveram de ser adiadas por razões relacionadas com a Pandemia de Covid-19.
Temos condições para honrar os nossos compromissos em relação aos grandes eixos de ação política deste Governo: O reforço da proteção dos cidadãos mais vulneráveis, o robustecimento do combate à corrupção e o prosseguimento da modernização do sistema de justiça, aproximando-a dos cidadãos.
A Descendências Magazine agradece-lhe novamente a honra deste entrevista.
Foi um prazer.
Oficial de justiça cansada
4 anos ago“recursos humanos qualificados e motivados” Motivadissimos nas secretarias! A ganharmos o mesmo há anos, sem concursos para progressão na carreira de oficial de justiça. Auxiliares há mais de 20 anos. Uns círculos de acrícilico, cheios de buracos (deviam estar em saldos) para evitar a propagação do vírus nas secretarias. Falta de refeitórios e condições para os oficiais de justiça se alimentarem. Horas extra fora do horário de funcionamento da secretaria não remuneradas nem financeiramente nem em horas de descanso. E o sistema informático a querer substituir o trabalho na secretaria, atestando electronicamente e automaticamente que determinado processo se encontra pendente, por uns meros 10,20 €.
Motivadíssimos! Nem tendo uma Ministra que trabalhou toda a carreira com a nossa classe tivemos sorte!
Um Oficial de Justiça que faz o trabalho de dois.
4 anos agoSra. Ministra ainda não percebeu que sem a devida valorização dos OJ a justiça não sairá da cepatorta?
Não entendo como é que o MJ continua a agir desta forma, o descrédito pelos OJ prejudica-nos mas também aos magistrados e a todo o sistema.
Não se entende como é que trabalhou toda a vida com OJ e nem assim conseguiu ser uma boa ministra. Não merece o nosso respeito e a demissão é o mínimo que lhe podemos pedir.
Devia honrar a sua palavra dada relativamente ao EFJ, mas de si é deste governo nós já esperamos o pior, ou seja, nada.
#vergonha
#justiçaparaquemnelatrabalha
Mario de Sousa
4 anos agoSenhora Ministra esperamos há muito tempo que a profissão e carreira dos Oficiais de Justiça seja tratada com uma maior autonomia e num estatuto próprio de verdadeira especialização como tem a carreira de enfermagem no SNS.
Só assim é que podemos almejar a ter um verdadeiro serviço público de justiça de qualidade.
Fatima Sant'Ana
4 anos agoReforço dos meios humanos nos tribunais? Quando? Onde?
Como oficial de justiça sinto-me envergonhada com estas declarações, com a falta de palavra que esta ministra tem tido para com a classe.
O mínimo era demissão sim.
Já para outras carreiras, como a sua, tal não aconteceu.
Basta!
Oficial de justiça que não pode identificar-se por medo de represálias
4 anos agoQuando a política entra pelo tribunal e diz: agora somos nós. Metade ficam dependentes das nossa nomeações, a outra metade passam a simples administrativos. Que vergonha. Porque não fizeram isso nas finanças e nas conservatórias.