João Paulo Batalha

© Tiago Araújo

Consultor em políticas de integridade e antigo presidente da Transparency International, João Paulo Batalha traça um retrato sobre a persistência estrutural da corrupção em Portugal. Com um percurso que começou no jornalismo e passou pela comunicação e pelo ativismo, João Paulo Batalha defende que, mais do que escândalos pontuais, a corrupção em Portugal é facilitada por um sistema desorganizado, por leis pouco eficazes e por uma cultura que ainda penaliza quem denuncia. Aborda temas como a lentidão da justiça, os riscos no uso dos fundos europeus, a fragilidade dos mecanismos de controlo e a promiscuidade entre interesses públicos e privados. Apesar do retrato exigente, acredita que é possível mudar, mas lembra: não basta mudar de protagonistas — “é preciso mudar as regras do jogo”.

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O seu percurso profissional passou pelo jornalismo, pelas comunicações corporativas e, mais tarde, pelo ativismo e pela consultoria em políticas de transparência e anticorrupção. O que o levou a fazer essa mudança? Foi um percurso planeado ou aconteceu naturalmente, à medida que se foi confrontando com realidades que despertaram em si esta necessidade de intervir?

O único plano que eu tinha era ser jornalista, desde miúdo, desde os meus 12 ou 15 anos. Foi nesse sentido que quis orientar a minha carreira desde o final do liceu. Essa experiência, que foi a única premeditada da minha vida, acabou por ser muito breve e pouco digna de registo. Percebi que, na verdade, não tinha grande vocação para o jornalismo. Mas sempre trabalhei na área da comunicação.

Em relação ao meu interesse pelas questões da corrupção, ao contrário do que é comum acontecer com pessoas que se confrontam com este problema — que, por vezes, são esmagadas pelo monstro da corrupção —, eu nunca tive nenhuma dessas experiências. Nem sequer, enquanto jornalista, acompanhei casos de corrupção. Mas tinha a sensação de que era um problema recorrente em Portugal e que parecia não avançar nem recuar. Portanto, era um tema que me interessava. Não tinha um interesse específico, nem profissional nem académico — não era a minha área de estudos, nem nada disso. Mas achava que era uma questão que estava sempre latente em Portugal. Havia casos, falava-se disso, mas depois tudo desaparecia e não existia uma abordagem sistemática de combate à corrupção.

Em 2010, constatei que Portugal era o único país da Europa Ocidental que, na altura, não tinha um capítulo da Transparency International e, nesse ano, contactei a organização para saber se seria possível formar um capítulo e como funcionava esse processo. Eles colocaram-me em contacto com o núcleo de pessoas que já trabalhava na fundação daquele que viria a ser o capítulo português da Transparency International. A partir daí, iniciou-se um trabalho mais sistemático nesta área, que acabou por levar a que eu deixasse de ser, sobretudo, um consultor de comunicação, para me tornar um consultor de políticas de combate à corrupção.

Foi um dos membros fundadores da Transparency International Portugal e presidiu à organização num momento crítico. Como avalia o impacto real da Transparency International no combate à corrupção em Portugal? Considera que existe hoje uma maior consciência coletiva e exigência da sociedade civil relativamente a este problema, ou ainda há um longo caminho a percorrer?

As duas coisas, na verdade. A Transparency International teve um papel importantíssimo — um papel visível, mas também um papel menos visível — no combate à corrupção em Portugal. O papel visível foi, de facto, o de sistematizar a discussão pública sobre o problema da corrupção e a ausência de políticas públicas para o seu combate. Era daquelas questões que se discutiam, e continuam a discutir-se, muito ao sabor dos casos do momento, mas não existia uma discussão organizada sobre políticas públicas, estratégias de combate à corrupção, legislação ou políticas estruturadas. A Transparency International teve o mérito de iniciar essa discussão e, com isso, despertou-se para o problema e, seguramente, contribuiu-se muito para a sensibilização dos cidadãos.

Estes eram assuntos tabu em Portugal, antes de a Transparency International se estabelecer no país. Entretanto, a discussão generalizou-se, mas, de facto, o problema persiste. O debate sobre a corrupção alargou-se bastante — tanto o debate em si como as perceções e o envolvimento dos cidadãos —, mas continua a ser pouco profundo. Temos, portanto, um problema de qualidade do debate. Conseguimos alargar a discussão, mas é preciso aprofundá-la. Continuamos a insistir em ver a corrupção como um mero problema de conduta individual de quem está envolvido em cada caso concreto. As pessoas estão sensibilizadas para o tema e repudiam a corrupção, mas fazem-no sobretudo em relação aos praticantes ou às pessoas vistas como tal. Falta-nos ainda uma resposta institucional e de política pública. Precisamos de discutir como é que este problema se traduz em políticas. E essa discussão ainda não entrou verdadeiramente na esfera da opinião pública.

Portanto, acho que houve um avanço — sem dúvida —, mas ainda há muito caminho a percorrer, porque os cidadãos têm de perceber que é necessário encontrar soluções que vão além das lideranças pessoais que estão, em cada momento, no governo ou nos partidos.

Alguma vez foi contactado por uma entidade pública interessada em vos ouvir e implementar soluções sugeridas por vós?

Já aconteceu, sim, mas na maioria das vezes somos nós que tomamos a iniciativa de contactar as entidades, que hoje nos recebem mais do que recebiam há 10 ou 15 anos, seguramente. Também já existe, nomeadamente no Parlamento, o hábito de pedir pareceres a organizações da sociedade civil — algo que não acontecia antes — quando se trabalha em legislação. No entanto, o debate ainda não é suficientemente alargado nem suficientemente profundo.

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Têm conhecimento de experiências em outros países que poderiam ser, facilmente, implementadas cá?

Temos esse conhecimento. Há muita coisa publicada, mas o que se continua a constatar nos partidos políticos é uma atitude muito reativa. Ou seja, os pacotes anticorrupção surgem, geralmente, em resposta a algum escândalo. Não têm uma função preventiva — são reações a escândalos que envolvem e embaraçam um determinado partido, e esse partido propõe de imediato um pacote anticorrupção. A abordagem é sempre muito reativa, pouco fundamentada, pouco estudada e, de facto, os decisores políticos — não só nesta matéria do combate à corrupção, mas em quase tudo aquilo que legislam —, infelizmente, não tiram partido do conhecimento existente e não se fundamentam o suficiente para elaborarem boas políticas públicas.

Nos últimos anos, Portugal caiu em vários rankings internacionais de perceção da corrupção, o que demonstra que o problema não só persiste, como pode estar a agravar-se. Quais são, na sua opinião, os principais fatores que explicam este retrocesso? São falhas na legislação, falta de meios nas entidades fiscalizadoras, ou um problema mais profundo?

Infelizmente, é um problema mais profundo. É um problema sistémico, estrutural, que costumamos abreviar numa frase-chavão: “falta de vontade política”. Há, de facto, falta de vontade política. Ou seja, este assunto é sempre encarado de forma tática pelos partidos — aproveitando um qualquer embaraço quando esse embaraço afeta o partido do lado, proclamando então que esse partido tem má gente e não se preocupa com o interesse público, ou, numa lógica reativa, quando o problema lhes toca a eles, fazendo propostas, muitas vezes atamancadas, para combater o problema.

Por exemplo, a lei que regula o exercício de funções públicas, de 2019, demorou quase três anos a ser aprovada, precisamente porque foi criada uma comissão específica no Parlamento para o reforço da transparência no exercício dessas funções. Esta comissão pretendia consolidar e organizar a legislação dispersa nesta área, tornando-a mais eficaz, mais sólida, etc. O resultado foi a Lei n.º 52/2019, que deveria ser estável, sólida e bem fundamentada, mas que tem sido revista, em média, uma vez por ano. Isto porque há sempre um novo escândalo que não estava previsto ou que levanta dúvidas na interpretação da lei — e a resposta é sempre legislativa.

Falta capacidade para encarar a corrupção como um problema das instituições. Continua a ser vista apenas como um problema de conduta individual de quem está no poder. E o que observamos é que, não só os partidos, mas os próprios líderes se revezam, e continuamos a discutir os mesmos problemas: corrupção, má conduta ética, falta de transparência. Isto não se resolve apenas com a mudança de protagonistas, porque o próprio sistema está mal desenhado. Não tem havido inteligência — até no sentido de os próprios políticos se protegerem — na criação de instituições e mecanismos que apliquem a lei de forma previsível e sólida, e que os ajudem, à entrada e à saída do cargo, a medir e resolver riscos de conflitos de interesses. Como nada disso existe, estamos constantemente perante escândalos.

Em dois anos, tivemos dois governos a cair devido a dúvidas sobre a sua conduta — legal ou ética —, e mesmo assim os partidos não se apercebem de que isto é uma máquina de triturar políticos, e que deviam ter um sistema minimamente funcional. Por isso, continuamos a agir de forma reativa, superficial, e acabamos até por gerar mais ruído, com leis que se contradizem, leis sem aplicação prática, porque as instituições não estão preparadas para as executar. No fim, tudo acaba por recair sobre o sistema judicial, que também não está minimamente capacitado.

Vamos multiplicando instituições e entidades sem mandato claro, que não sabem bem o que estão a fazer nem como se coordenar entre si. Nos últimos anos, criámos, primeiro, uma entidade para a transparência; já existia uma entidade distinta para fiscalizar as contas dos partidos e das campanhas eleitorais; e criámos ainda um Mecanismo Nacional Anticorrupção para avaliar a implementação dos planos de combate à corrupção. Estas instituições relacionam-se mal — ou nem se relacionam — entre si, e, portanto, temos uma constelação de micro-organismos que não fazem sentido.

Esta lógica reativa do poder político gosta muito de criar leis e entidades para mostrar que está a fazer alguma coisa, mas depois não há forma de essas iniciativas se materializarem. Não falamos apenas de uma questão de falta de meios — falamos, sobretudo, de mau desenho institucional e má organização do sistema. Tenho de fazer um esforço para não atribuir à corrupção aquilo que pode ser explicado pela incompetência — e há muita coisa que se explica pela incompetência e pela superficialidade dos decisores políticos. Mas é óbvio que, nesta desorganização, existem inúmeras oportunidades para a corrupção se perpetuar.

Acho que Portugal é, infelizmente, um país corrompido. Mas, antes de sermos um país corrompido, somos um país desorganizado — e a desorganização alimenta a corrupção.

De facto, os nossos responsáveis políticos, por defeito ou por feitio, não têm conseguido organizar o combate à corrupção nem, pelo menos, capacitar minimamente o Estado. E, por isso, estas intervenções — seja por descuido ou deliberadamente — acabam por permitir a continuação dos mecanismos de corrupção e de captura do Estado.

O recente escândalo “Operação Influencer”, que envolveu membros do governo e figuras de relevo, expôs fragilidades nos mecanismos de controlo e prevenção da corrupção em Portugal. Que leitura faz deste caso específico? Como foi tratado pelas autoridades e pelo próprio governo reflete uma maior maturidade institucional, ou revela a incapacidade do sistema de lidar com este tipo de problemas de forma transparente e eficaz?

Acho que, paradoxalmente, revela um pouco das duas coisas. Ou seja, houve uma alteração muito importante, anterior à Operação Influencer, que remonta ao tempo da Troika — nomeadamente da parte do Ministério Público —, no que diz respeito à determinação em investigar casos de corrupção, e de grande corrupção. Isso não existia em Portugal. Até à Troika, até à crise, havia casos envolvendo alguns autarcas, mas não se ia muito além disso. Não tínhamos o hábito de investigar situações que envolvessem ministros ou primeiros-ministros, e isso mudou. O facto de, na Operação Influencer, se ter entrado pela primeira vez na residência oficial do primeiro-ministro para realizar uma busca judicial ao seu chefe de gabinete demonstra que há, de facto, uma determinação do Ministério Público em investigar.

Também há uma perceção pública mais aguda relativamente a estes problemas, o que faz com que o custo político deste tipo de escândalo seja maior e, por isso, os próprios governos reagem. Mas foi nos governos de António Costa que, pela primeira vez, tivemos uma estratégia nacional de combate à corrupção, a criação de novos organismos — como o Mecanismo Nacional Anticorrupção e a Entidade para a Transparência —, um código de conduta para os membros do Governo, entre outras iniciativas. Foi, possivelmente, dos governos que mais fizeram e mais iniciativas tomaram no combate à corrupção. No entanto, acaba por cair com um escândalo relacionado com suspeitas de corrupção. Porquê? Porque estas iniciativas são muito proclamatórias: criam-se muitos escudos de papel — leis e códigos — que, na prática, depois não existem verdadeiramente.

A Operação Influencer também revelou um problema estrutural de promiscuidade entre decisores públicos e interesses privados. Quando uma investigação começa com o licenciamento de operações de exploração mineira em Trás-os-Montes e, de repente, já está a investigar também o licenciamento de um Data Center em Sines, percebe-se que, a partir do momento em que se entra nos mecanismos de funcionamento interno do Governo — nomeadamente do Ministério do Ambiente e das áreas dos recursos naturais —, começa-se a revelar a existência de muitas relações próximas entre os decisores e os responsáveis políticos.

Fomos criando mecanismos, como os PIN — Projetos de Interesse Nacional —, no tempo do Governo de José Sócrates, que funcionam como vias verdes para a aprovação de grandes projetos. O próprio enquadramento institucional convida a que haja esta relação próxima e direta entre o ministro e o investidor, entre o interesse económico e o chefe de gabinete do primeiro-ministro. E, depois, será um trabalho muito difícil para a Justiça perceber até que ponto isto se trata de informalidade — eticamente condenável, mas não necessariamente criminosa —, e até que ponto é, de facto, crime.

Na minha opinião, a Operação Influencer mostra uma menor timidez institucional por parte do Ministério Público, mas mostra também que ainda há muito por fazer. Continuamos a ter um sistema político e administrativo que, em grande medida, continua a convidar à corrupção.

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Recentemente, Portugal foi um dos países criticados pela União Europeia pela falta de transparência nos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Existe um risco real de desvio ou má utilização destes fundos, dada a falta de fiscalização adequada?

Existe um risco real, e eu acho que devemos encarar esse risco como uma forte probabilidade — para não dizer uma inevitabilidade. Em primeiro lugar, porque o problema começa com o facto de Portugal não ter um plano de desenvolvimento estruturado. Temos uma crónica falta de planeamento.

O PRR surge como uma reação à situação económica pós-pandemia e ao impacto da própria pandemia. Trata-se de uma grande quantidade de dinheiro, inesperada, que tem de ser gasta num curto espaço de tempo. E, portanto, num país que não tem um planeamento de investimentos prévio, fundamentado e discutido publicamente, isso é tóxico. É quase uma licença para roubar. Aliás, vê-se nos discursos políticos — tanto dos sucessivos governos, como do PS, PSD e até do Presidente da República — que existe uma prioridade nacional assumida de gastar o dinheiro, de executar a verba. Mas o que significa “executar a verba”? Em que investimentos? Já nem falo apenas do risco de derrapagens orçamentais, de desvios, de fraude ou de duplo financiamento. Refiro-me a investimentos mal feitos, por falta de planeamento, de fundamentação e de debate público.

De facto, esta má experiência acompanha-nos desde os anos 80. É inegável que os fundos europeus contribuíram muito para a capacitação e qualificação do país, bem como para o desenvolvimento de infraestruturas. Mas também houve muito dinheiro mal gasto, que serviu para beneficiar lobbies e financiar campanhas eleitorais, numa lógica de promiscuidade entre o poder político e o poder económico — e, sobretudo, porque nunca tivemos uma ideia clara do rumo que queríamos seguir. E acho que continuamos sem a ter.

Estas condições de base tornam quase inevitável que haja abusos no uso dos financiamentos europeus. Além disso, se a prioridade política — a grande obsessão — for simplesmente gastar o dinheiro, evitar que haja verbas por utilizar no final da vigência do PRR, então vai haver uma tendência natural para favorecer, no acesso aos fundos europeus, as grandes empresas e organizações com maior capacidade de gerir projetos de grande escala, e, por isso, gastar mais dinheiro.

O risco não está apenas no desvio de fundos europeus ou nas fraudes associadas. Está também no facto de que este fundo especial, criado para nos ajudar a recuperar da pandemia e combater algumas das desigualdades económicas que ela agravou, possa acabar por servir, na verdade, para subsidiar ainda mais o crescimento das desigualdades — entre grandes grupos e pequenos grupos, entre grandes interesses económicos e pequenos empreendedores.

Em muitas das investigações de corrupção que chegam a tribunal, vemos processos arrastarem-se por anos, resultando muitas vezes na prescrição dos crimes ou em penas simbólicas. O que está errado no nosso sistema judicial que permite esta ineficácia? É apenas uma questão de falta de recursos e meios humanos, ou há interesses que beneficiam com a lentidão da justiça?

Claramente, a lentidão e a ineficiência da justiça em Portugal funcionam como um passaporte para a impunidade, e há grandes interesses que se beneficiam diretamente dessa impunidade. Não são apenas os grandes arguidos poderosos que usufruem dessa impunidade, mas também grandes escritórios de advogados, que em Portugal são um “poder acima do poder” e possuem uma capacidade enorme de influenciar não só o desempenho dos tribunais — utilizando todos os recursos dilatórios que a lei permite — mas também a própria legislação.

Os grandes escritórios de advogados, especialmente nas áreas de maior relevância económica, passam a ser contratados como consultores para a elaboração da legislação de maior impacto económico. Assim, atuam simultaneamente como legisladores, litigantes e lobistas junto do poder executivo, abrindo portas, facilitando negócios e estabelecendo contactos.

Existe um ecossistema corrupto em Portugal que se beneficia diretamente das muitas ineficiências do sistema judicial. É por isso que continuamos a ter um Código de Processo Penal completamente desatualizado e uma incapacidade total de implementar reformas consensuais, reformas óbvias que são discutidas há décadas, e que todos percebem que precisariam de ser feitas, mas que nunca são. Isso acontece porque há, de facto, um grande interesse em que o sistema de justiça não funcione quando se trata de crimes de corrupção.

O que temos, portanto, em Portugal, não é exatamente um sistema de justiça que puna as violações da lei de forma igual para todos. Temos um sistema que mantém a ordem e é eficaz no combate ao crime violento e à criminalidade menor, especialmente àquela que pode causar maior alarme social, mantendo os criminosos mais violentos e de classe média ou baixa contidos e eficazmente reprimidos. No entanto, ao mesmo tempo, esse sistema deixa completamente impune o crime cometido pelos “poderosos”. Assim, temos um sistema de justiça que, em última análise, contribui para manter uma sociedade brutalmente desigual.

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Ao longo dos últimos anos, vários países têm adotado mecanismos de proteção para denunciantes de corrupção, para encorajar quem tem conhecimento de irregularidades a reportá-las sem receio de represálias. Como avalia a legislação portuguesa nesse sentido? Os mecanismos atuais são suficientes para proteger aqueles que têm coragem de expor casos de corrupção, ou ainda há uma cultura de medo e retaliação que impede essas denúncias?

Há claramente ainda uma cultura de medo, pois a legislação portuguesa apresenta algumas falhas, mas, atenção, não é má. A legislação que temos para a proteção de denunciantes resulta de uma diretiva europeia. Grande parte das leis mais relevantes em Portugal no combate à corrupção, ao branqueamento de capitais e a crimes de poder são leis importadas, ou seja, diretivas europeias que somos obrigados a transpor. O que acontece é que transpondo as diretivas, nada realmente muda, porque as culturas não se alteram por decreto.

O primeiro grande problema da nossa lei de proteção de denunciantes, enquanto ferramenta jurídica, é que ela copiou exatamente a lei europeia, sem a alargar. A União Europeia só pode legislar sobre matérias que dizem respeito a políticas europeias. Além disso, outro problema significativo da lei de proteção de denunciantes é que ela só protege aqueles que denunciam infrações relacionadas com o direito europeu, como corrupção, questões ambientais ou mercado livre, por exemplo. Isso significa que, se um denunciante quiser saber se será protegido, a primeira coisa que ele tem que entender é se está a denunciar algo coberto pela lei europeia ou se se trata apenas de uma infração do direito nacional. Caso se trate de uma infração prevista unicamente pela legislação nacional, a lei não se aplica. Este é um erro grave. Estamos a criar uma lei de proteção que não protege todos os denunciantes. Logo à partida, isso é um desincentivo.

Em relação aos mecanismos jurídicos de proteção, aos direitos dos denunciantes e até ao direito de serem protegidos e indemnizados por represálias, a lei está bem. No entanto, as leis não mudam culturas, e a lei acaba por ficar guardada num compêndio de normas, numa prateleira, sem mudar nada nas organizações. De facto, em Portugal, continua a existir uma cultura de poder que facilita a corrupção. A corrupção, aliás, é o reflexo dessa cultura de poder que temos em Portugal, pois é uma cultura centralizada, em que tanto nas organizações públicas quanto privadas existe sempre uma mensagem clara: não se deve afrontar quem manda, não se deve desafiar o topo das hierarquias. Independentemente do que a lei disser, as pessoas dentro das organizações sabem que, se tiverem uma denúncia a fazer, especialmente contra um superior hierárquico, correm grandes riscos, porque não é minimamente garantido que a organização se coloque do lado delas.

A lei tem falhas significativas, mas o problema essencial não está na lei em si. O verdadeiro problema está no facto de a lei não alterar a cultura existente. As pessoas sabem que, independentemente do que a lei diga, precisam ter muito cuidado internamente, pois sempre correm o risco de represálias. A lei, aparentemente robusta, de proteção de denunciantes, pode criar a ilusão de que as pessoas estarão protegidas. No entanto, a verdade é que elas arriscam, e quando tentam fazer valer-se da lei para se protegerem, a lei acaba por ser apenas um pedaço de tinta em papel, sem uma aplicação efetiva para apoiá-las.

A imprensa tem um papel fundamental na exposição de casos de corrupção, mas muitas vezes jornalistas que investigam estes temas são alvo de processos judiciais e pressões políticas. Qual é a sua opinião sobre a liberdade de imprensa em Portugal no que toca ao jornalismo de investigação? Existe um ambiente de pressão sobre os jornalistas que dificulta a revelação da verdade?

Eu acredito que, sem dúvida, existe um ambiente de pressão sobre os jornalistas, tal como sobre os cidadãos. Todos nós conhecemos casos, a nível local, de pessoas acusadas de difamação, por exemplo, por fazerem críticas a um Presidente da Câmara nas redes sociais. Portanto, há uma hostilidade ao escrutínio em Portugal, que se aplica aos cidadãos, com represálias.

À escala nacional, não é muito diferente. Existem inúmeros mecanismos de pressão. Não há tantos processos por difamação movidos por políticos contra jornalistas, por exemplo, porque os políticos não gostam dessa má publicidade, mas há muitos fatores de condicionamento. Até na relação com as fontes de informação, os partidos políticos têm uma enorme capacidade de fornecer conteúdo às redações e, por conseguinte, de influenciar as agendas. Isso é agravado, acredito eu, pelo facto de ver em várias redações que as pessoas que tendem a ser promovidas a cargos de editoria e direção são jornalistas provenientes da área política. Assim, estas pessoas acabam por trazer consigo uma cultura de proximidade com as fontes políticas, o que faz sentido na editoria política e para cobrir a atualidade política, mas levanta problemas maiores quando ocupam cargos de direção.

Além disso, existem outros problemas económicos, como a falta de recursos para investir em jornalismo de investigação. Também se vê claramente, como no caso do BES, a enorme pressão que as grandes empresas conseguem exercer sobre as redações para condicionar, nomeadamente através do investimento publicitário, a própria sobrevivência dos órgãos de comunicação social. Quando essas grandes empresas, que estão igualmente muito próximas dos partidos políticos e têm relações de enorme promiscuidade entre o poder económico e o poder político, conseguem condicionar dessa forma o trabalho de investigação da corrupção, há um problema sério. Existe, de facto, uma questão de qualidade da democracia relacionada com o pluralismo do jornalismo, e esse é um problema sério, que tem sido discutido, mas que dificilmente se resolve apenas com subsídios públicos para os órgãos de comunicação social privados.

A corrupção não se limita ao setor público, sendo também um problema nas grandes empresas privadas e nos mercados financeiros. Como avalia a transparência das grandes empresas em Portugal? Há um esforço real para prevenir práticas corruptas e garantir uma cultura de compliance, ou tratam-se apenas de medidas para cumprir requisitos legais?

Eu acredito que as empresas respondem, sim, às obrigações legais e regulatórias, o que é mais ou menos natural, visto que a sua vocação é estar no mercado, vender, fazer negócios e gerar lucros. Existe, de facto, nas empresas uma cultura de compliance, no sentido restrito de cumprimento das normas legais, mas isso não é necessariamente uma cultura de integridade. Ou seja, para as empresas, questões como o reporte e a transparência, especialmente com as empresas cotadas, e mais recentemente a obrigação de elaborar planos de risco de corrupção, são custos regulatórios que as empresas assumem, mas que não são verdadeiramente investimentos em integridade.

Aliás, tivemos um bom exemplo disso com dois casos recentes na mesma empresa, a Galp. Há alguns anos, a Galp foi apanhada no escândalo do “Galp Gate”, em que patrocinou ofertas e viagens a governantes e autarcas, incluindo aqueles com quem tinha diferendos, nomeadamente a nível fiscal. A situação foi investigada na altura, mas, em termos penais, houve uma suspensão provisória do processo. No entanto, a prática de oferecer viagens, hospitalidade e estadias a políticos estava expressamente proibida pelo Código de Conduta da Galp, e isso foi completamente ignorado pela própria empresa. Ou seja, a empresa violava de forma assumida, quase alegre, o seu próprio Código de Conduta. Mais recentemente, na mesma Galp, tivemos a demissão de um CEO, que aconteceu sob pressão, por ter violado também o Código de Conduta. Isso significa que a Galp leva agora mais a sério o seu Código de Conduta? Eventualmente, sim. No entanto, fiquei com a sensação de que, por razões que não conseguimos identificar, a empresa decidiu livrar-se do CEO e encontrou nesse incidente um pretexto para forçar a sua saída. Talvez seja uma visão mais crítica da minha parte, mas a verdade é que eu tenho a sensação de que as empresas, de forma natural ou quase instintiva, cumprem o que a lei manda, mas não vão além disso, tal como os políticos também cumprem o que a lei manda — às vezes nem isso — e não vão além disso. O problema está na robustez da lei e na assertividade com que ela é ou não é aplicada.

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Muitas vezes, quando se fala em corrupção, há um foco nos grandes casos mediáticos, envolvendo figuras políticas e empresariais, mas a corrupção do dia a dia, como pequenos subornos e favores em troca de benefícios, também tem um impacto significativo. Como combater essa mentalidade permissiva relativamente a pequenas infrações que, no fundo, alimentam um sistema mais amplo?

Acho que a resposta é a mesma, tanto para a pequena como para a grande corrupção. Devemos ter uma democracia baseada em instituições, e não apenas em pessoas, com normas culturais e de relacionamento entre as pessoas e as instituições que precisam ser apropriadas e seguidas.

Acredito que a pequena corrupção continuará a existir seguramente, mas é um tipo de corrupção onde, apesar de tudo, fizemos progressos nas últimas duas ou três décadas para combatê-la. A informatização dos serviços ajudou a combater a lógica de cobrar um pequeno suborno de 50 ou 100 euros para colocar um processo no topo da pilha, em vez de deixá-lo em baixo. Muito disso desapareceu, porque criaram-se mecanismos de gestão dos processos, informatização de serviços que permitem rastrear as ações e, portanto, limitam muitas dessas oportunidades. No entanto, ainda existem fenómenos como a “cunha”, com as pessoas a pedirem informações como “onde está o processo?”, “o que se pode fazer para que ele ande mais rápido?”. Continua também a existir algo quase tragicómico, que é o mercado da desconfiança. Ou seja, em muitos casos os serviços melhoraram, e as lógicas do pequeno suborno já não são necessárias, mas a desconfiança está tão entranhada na mentalidade das pessoas que muitos ainda consideram natural pagar 50 euros por um processo qualquer.

O meu receio é que essa lógica regresse, porque estamos a ver uma degradação dos serviços públicos em várias áreas, o que cria novamente esse incentivo. Quando os serviços públicos estão bem organizados, esse tipo de incentivo não existe.

Um dos argumentos frequentemente usados por políticos e empresários envolvidos em escândalos é o de que “não há corrupção, apenas falhas no sistema” ou que certas práticas são apenas “normais” em determinados contextos. Como combater esta narrativa e fazer com que haja uma verdadeira responsabilização dos envolvidos?

Nós precisamos de ter uma cultura institucional em Portugal. Aliás, este é um ponto que surge sempre quando se discutem problemas de ética na política. Levanta-se uma questão que, pelo senso comum, é claramente ética, criando uma nebulosa, um conflito de interesses, mas que não é um problema de caráter. Conflitos de interesses todos podemos ter, basta termos mais do que um interesse na vida, e esses interesses podem colidir — isso é perfeitamente natural. O que não é natural é que não saibamos gerir esses conflitos de interesses de forma eficiente e correta.

Quando se levantam questões éticas, logo em seguida alguém pergunta: “Mas há ilegalidade ou não há ilegalidade? Se não há ilegalidade, então não nos incomodem.” Ou então, se não há ilegalidade, a reação é: “Se calhar devia haver”. E então vamos a correr reabrir a lei e revê-la para criar mais uma ilegalidade onde antes não existia. De facto, não temos a noção de que é preciso haver regras, obviamente, mas também é necessário que existam mecanismos para que essas regras se implementem na prática. Quando não temos esses mecanismos, e quando nem sequer os discutimos, acabamos sempre a discutir de forma binária: é legal ou é ilegal? Vejamos o exemplo da recente situação envolvendo o Primeiro-Ministro, em que o negócio privado que ele tinha, legitimamente, antes de entrar para o Governo, pode colidir com a sua função pública. As soluções adotadas para essa situação, que no meu entender não são suficientes, foram decididas pelo próprio Primeiro-Ministro, e, portanto, é fácil alguém apontar-lhe o dedo, acusando-o de ter decidido mal. A questão é que não temos nenhuma entidade responsável por fazer a verificação dos potenciais riscos, sugerir soluções e implementá-las. De facto, não existe ninguém com mandato para zelar pela defesa do interesse público nestas questões. Os políticos estão deixados à sua sorte, sujeitos aos ataques dos adversários políticos e à pressão da opinião pública.

A corrupção em Portugal é um problema geracional? Ou seja, acredita que as novas gerações estão mais sensibilizadas para estas questões e menos dispostas a tolerar práticas corruptas, ou ainda persiste uma cultura de aceitação e normalização deste fenómeno?

Não tenho dados objetivos que me permitam responder de forma fundamentada, com base em perceções da opinião pública por faixa etária, mas a sensação que tenho é que o problema da corrupção em Portugal é, em grande parte, uma questão de falta de cultura e de instituições.

As pessoas nascem e crescem com uma noção instintiva do que é justo e do que é certo. Depois, as dificuldades da vida tornam-nos mais realistas, forçando-nos a aceitar algumas dessas injustiças estruturais. Penso que os jovens, por definição, estão menos dispostos a aceitar essas injustiças. Ao mesmo tempo, vivem num país mais desigual e mais pobre do que o país da geração anterior. Acho que esta geração de jovens adolescentes e jovens adultos é a primeira em que isso é verdade em Portugal. Nos últimos 20, 25 anos, Portugal estagnou economicamente. Sempre tivemos problemas de corrupção — muita corrupção estrutural organizada no Estado Novo, por exemplo — e continuamos a tê-la, mas, apesar dessa corrupção, havia uma promessa de que a geração seguinte viveria melhor do que a anterior. Essa promessa já não é verdadeira e penso que todos percebem isso. Isso torna as novas gerações mais exigentes, porque sabem que há um custo, um custo que elas estão a sofrer mais do que outras gerações.

Falamos de um custo económico, que limita a capacidade de investimento no país, mas também de um custo na própria capacidade das pessoas continuarem a acreditar na democracia como um sistema capaz de resolver os problemas. E a verdade é que estamos a assistir, a nível internacional e também em Portugal, a uma degradação das democracias e ao crescimento de propostas políticas antidemocráticas, precisamente porque uma democracia capturada não está a responder aos problemas das pessoas. Muita da crítica feita às gerações mais novas, que se mostram alienadas da política, tem a ver com isso. Estamos a pedir aos jovens que participem num sistema político com regras que eles não reconhecem como capazes de resolver os problemas. Portanto, vamos ter que reinventar a democracia, e eu espero que as gerações mais jovens se empenhem muito nesse desafio.

Como especialista nesta área, se pudesse recomendar uma única reforma estrutural para combater a corrupção em Portugal, qual seria? O que mudaria imediatamente para tornar o sistema mais transparente e eficiente?

Não existe uma única medida mágica; é necessário intervir em várias áreas, como na relação entre a política e a administração pública, no funcionamento das instituições e até nos próprios sistemas eleitorais. Coloco sempre ênfase na prevenção e na organização do Estado antes de abordar as questões relacionadas com o funcionamento do sistema judicial, mas, para não fugir à pergunta, dou uma ideia que considero importante: temos de procurar reformas e medidas que alterem os equilíbrios de poder em Portugal. Se a corrupção é um abuso de poder, a melhor forma de combatê-la é retirar o poder a quem tem demasiado e dar mais poder a quem não tem. Ou seja, é necessário equilibrar os poderes.

Nesse sentido, considero que há uma medida muito interessante. Seria importante que as pessoas que colaboram não só na descoberta da verdade, mas também na recuperação de ativos roubados pela corrupção, possam ser recompensadas com uma percentagem dos ativos recuperados. Isso permitiria que denunciantes, assistentes em processos penais e cidadãos se envolvessem na identificação de bens desviados pela corrupção e, caso esses bens fossem recuperados, as pessoas poderiam ser recompensadas por isso. Isso daria-nos poder para sermos agentes ativos e sermos recompensados. Porque, hoje em dia, as pessoas que combatem a corrupção são esmagadas, perdem as suas carreiras, ficam “radioativas”, enfrentam um ostracismo profissional e social brutal. Portanto, a possibilidade de colaborar com a justiça, identificando ativos e, caso esses ativos sejam recuperados, ser recompensado por isso, seria fundamental. Isso mudaria completamente a estrutura de incentivos e desincentivos à corrupção.

Como mencionei, temos poucas condenações e as que existem resultam, na maioria das vezes, em penas suspensas, sem recuperação de ativos. Portanto, para que o crime deixe de compensar, mais do que aumentar as penas de prisão ou diminuir o número de penas suspensas, seria fundamental recuperar os ativos. Uma medida como esta, que permitisse recompensar as pessoas, seria crucial.

Aliás, já temos o estatuto de assistente em processo penal, que é muito generoso em Portugal, comparado com outros países. Qualquer cidadão pode tornar-se assistente em processos de corrupção. Ou seja, qualquer cidadão pode intervir. E, se pode intervir, também deveria poder participar na recuperação de ativos e ser recompensado por isso.

Como vê o papel das organizações internacionais, como a União Europeia e a OCDE, no combate à corrupção em Portugal? Devem ter um papel mais ativo na supervisão das práticas do governo e do setor privado?

Eu acredito que sim. Apesar de ter havido alguma evolução na OCDE, no Conselho da Europa e, sobretudo, na União Europeia, que tem uma capacidade maior de intervir a nível legislativo sobre os Estados-membros, estas organizações desempenham um papel fundamental ao emitir recomendações e, posteriormente, monitorizar a sua implementação. Têm esse papel essencial, que é fazer exigências, criar padrões de expectativas relativamente aos Estados e depois acompanhar o seu cumprimento. Contudo, isso tem-se traduzido, na prática, numa lógica de legislação feita por pressão, por importação e, na famosa expressão portuguesa, leis “para inglês ver”, que depois não se concretizam.

Eu penso que a Comissão Europeia, muito lentamente e de forma tímida, nas avaliações que realiza dos Estados-membros, está a começar a incorporar essa componente de alertar para leis que são feitas, mas ainda não tem força nem poder para verdadeiramente punir o incumprimento, na prática. Também será difícil ter esse poder sem que as instituições europeias se democratizem ainda mais. Portanto, temos reformas importantes a fazer a nível europeu.

Precisamos que os mecanismos de combate à corrupção, quer em termos legais e jurídicos, quer em termos práticos, sejam definidos numa escala internacional e monitorizados a nível global. Tem havido um grande trabalho por parte de organizações como a OCDE e as próprias Nações Unidas para harmonizar os enquadramentos legais de combate à corrupção em todo o mundo, mas é necessário que essa pressão seja convertida para a implementação prática, porque, caso contrário, vamos continuar a ter leis que criam uma expectativa, mas que, na prática, não mudam efetivamente nada.

O seu trabalho como consultor em políticas anticorrupção exige uma grande resiliência e persistência. Alguma vez sentiu que lutava contra um sistema demasiado resistente à mudança? O que o motiva a continuar?

Eu sinto isso todos os dias e tenho pesadelos com isso todas as noites. Lembro-me que, quando a Transparency International Portugal foi criada, agrupou praticamente toda a gente que, de forma isolada e dispersa, falava sobre o tema. Tinha ali uma massa crítica enorme. Recordo-me de achar que, depois de seis meses, a situação estaria completamente diferente. Já lá vão 15 anos e muita coisa mudou, mas estamos longe de onde eu gostaria que estivéssemos.

Portanto, sim, temos um sistema muito resistente à mudança. Temos atores muito resistentes à mudança e é difícil mantermos a esperança de que isto mudará rapidamente.

A esperança que eu tenho não é de que isto mude daqui a seis meses ou com a próxima eleição. A esperança é uma construção que cada um de nós pode fazer, decidindo não desistir. Portanto, a esperança constrói-se. É um exercício, não é um órgão que funciona ou não funciona. É um músculo que podemos exercitar. Porque eu acho, sinceramente, que os políticos são sensíveis à pressão da opinião pública. E essa pressão não pode ser superficial. Todos nós temos de aprofundar o nosso relacionamento com a vida pública, com as entidades públicas. Não necessariamente como combatentes anticorrupção. Se cada pessoa tiver uma causa que lhe seja querida, essa pessoa vai, fatalmente, ter que lidar com as entidades públicas, a nível local e nacional, e nessa relação com as entidades públicas vai precisar de informação, vai querer exigir políticas públicas. Portanto, os cidadãos têm de se infiltrar mais no funcionamento quotidiano das instituições e da democracia. Quando isso acontecer, mesmo que não estejam a fazer ativismo anticorrupção, vão estar a diminuir as oportunidades de corrupção, porque vão estar a criar mecanismos de acompanhamento e de vigilância sobre o Estado, os decisores e as políticas públicas. Portanto, essa esperança de melhoria temos de ser nós a exercitá-la, envolvendo-nos mais do que nos envolvemos hoje.

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