O mundo dos concursos no sector vitivinícola
É usual começar qualquer discurso, ou depoimento, com uma declaração de interesses. Desta vez vou começar o artigo com uma declaração que talvez possa apelidar de “desinteresse”:
Não tenho nenhum interesse pessoal em nenhum concurso de vinhos.
E, apesar de trabalhar vinhos e de ter todo o interesse em ver o mérito do meu trabalho reconhecido; apesar de ter vindo a pertencer a júris de alguns concursos de vinho; apesar de ter vindo a receber prémios através do meu trabalho; não tenho nenhum vínculo que me associe do ponto de vista económico, de trabalho ou de dependência a qualquer concurso de vinhos ou revista especializada.
Não deixo de reconhecer, porém, que o sector depende muito da forma como cada agente é visto pelo exterior. Mas há mitos a combater. Então, vamos a eles.
Mito nº 1.: Os prémios são atribuídos aos melhores
Nem sempre é verdade. Num concurso são premiados os melhores entre os que concorreram. Nem sempre os melhores de cada região vitivinícola se submetem a concurso. Os prémios são obtidos muitas vezes por comparação com os vinhos de cada painel, pelo que em princípio recebe validação quem se destaca num painel, numa amostra entre os vinhos que estão a concurso.
Mito nº 2.: Os prémios são atribuídos pelos produtores a si próprios ou aos amigos
Às vezes é verdade, mas importa saber como… Um painel de prova tem sempre dezenas de pessoas. Os vinhos são provados às cegas, sem identificação. Há membros do júri com mais experiência e outros que representam mais o “perfil do consumidor”. Os primeiros procuram valorizar o estilo de cada região; os segundos tendem a beneficiar os vinhos por outros factores, mais dependentes do seu estilo pessoal. Cada vinho que recebe um prémio importante é usualmente validado por outro painel, mais completo. Pode suceder que no meio desses painéis de prova, às cegas, alguém atribua um prémio ao seu próprio vinho ou ao de pessoas próximas. Mas nenhum vinho é validado apenas por um dos membros do júri e ninguém sabe o que está a provar quando pontua.
Mito nº 3.: Os prémios não têm valor
Os prémios não são infalíveis, mas marcam tendências e destacam sempre aspectos positivos dos vinhos ou dos projectos. Ninguém pode atribuir de forma séria o prémio de “melhor do mundo”, como às vezes se lê nas notícias.
Mas um prémio é sempre o sinal de um reconhecimento que tem mérito e que deve ser destacado. Aqui, claro, partimos do princípio que os produtores enviam como amostra o vinho que efectivamente comercializam sob a marca premiada. Mas aí é difícil ter garantias de que é sempre assim…
Mito nº 4.: Os prémios são infalíveis
A prova cega de vinhos é sempre mais infalível do que a prova com indicação dos rótulos. Mas a infalibilidade não existe. A experiência do júri concorre para uma prova (e pontuação) mais objectiva e racional. Mas a subjectividade está sempre presente. E aquilo que é um sinal de qualidade para um jurado não é, necessariamente, o mesmo sinal para outro.
Mito nº 5.: Os prémios são comprados
Ao longo de todos os anos de trabalho no sector tenho assistido ao contrário. Há amizades que se desfazem, há produtores que sentem ser incompreendidos, há investidores e patrocinadores que ficam desolados com os resultados dos concursos. A nível internacional já assistimos de tudo e sim, até já fizeram filmes sobre a corrupção no sector. Mas a grande maioria dos profissionais tem ética e sabe que, no longo prazo, a credibilidade é o seu único ganha-pão. O que – como já vimos – não é garantia de infalibilidade.
Mito nº 6.: Os prémios são atribuídos sempre aos mesmos
Há de facto padrões de prova e tendências que influenciam os júris de concursos e de revistas. Eu, por exemplo, tenho um padrão de prova que tento conter, para introduzir objectividade. Tendencialmente valorizo (muito) vinhos frescos e prejudico vinhos com açúcar. Quem trabalha no sector está sempre influenciado por novas tendências ou até pelas pessoas com quem normalmente faz as provas. Mas há inúmeros produtores “revelação” que começam a ser falados precisamente depois de conquistar prémios e de deixar para trás produtores mais “reconhecidos”.
Em suma, os prémios nos vinhos não são garantias absolutas de qualidade. Mas são um instrumento útil, sobretudo para quem não tem experiência e precisa de indicadores para diminuir o risco associado às escolhas. De qualquer forma, é sempre importante provar muito e conhecer padrões diferentes. Mais importante do que os prémios atribuídos por outros é sempre formar uma opinião própria. E para isso é fundamental conhecer (quase) tudo o que o sector anda a fazer. Felizmente, há muitas coisas com interesse a surgir no mercado e que merecem ser conhecidas.