Pepe Brix

Pepe Brix é um fotógrafo documental mariense focado principalmente na exploração e conservação dos recursos marinhos e das comunidades pesqueiras em todo o mundo. Autor de documentários fotográficos publicados pela “National Geographic”, foi condecorado com o prémio Gazeta de fotojornalismo em 2015 e em 2016. Pepe Brix embarcou na traineira “Mestre Soares” da Ilha de Santa Maria para realizar o documentário fotográfico sobre a pesca do atum. O seu trabalho foi publicado na revista “National Geographic” de outubro de 2016 com o título: “Na rota das grandes manchas”. Durante os últimos anos tem percorrido o mundo a fotografar. Europa, Perú, Equador, Índia e Nepal foram algumas das expedições posteriormente convertidas em exposições fotográficas que circularam pelo país.

Filho e neto de fotógrafos, a sua vida tinha naturalmente de passar pela fotografia ou chegou a pensar em abraçar outra carreira?

É verdade que a fotografia foi sempre uma coisa muito presente no meu dia a dia, desde sempre. Saía da escola e como o nosso estúdio de fotografia ficava por baixo da nossa casa, era inevitável lá passar. E, mais tarde, já no secundário, cheguei a trabalhar com o meu pai depois do horário das aulas. Foi aí que aprendi muito do que ainda hoje me serve de base de trabalho. Contudo, houve uma altura da minha vida que a psicologia me seduziu bastante. Achei mesmo, e ainda acho um bocadinho, que aquele podia ser um caminho para mim. Pelo menos um dos caminhos possíveis.

Porquê a fotografia documental?

Embora eu tivesse apenas dois anos quando o meu avô Pepe morreu, houve uma coisa que ele deixou neste mundo que me fascinou particularmente: um espólio com dezenas de milhares de fotografias que mostravam uma ilha (Santa Maria) rural, que eu já não conheci. Aliás, as décadas de 70 e 80 foram épocas de grande mudança na ilha. De grande mudança social. Ainda hoje olha para este fundo fotográfico e reconheço-lhe um valor documental esmagador. Isso e as fotografias do Sebastião Salgado, do Robert Capa, do James Nachtwey, etc, que me chegavam a casa em revistas que o meu pai assinava, inspiraram-me bastante neste caminho que tenho feito alongo dos últimos 20 anos.

Como surgiu a ligação com a National Geographic?

Em 2014 embarquei numa bonita aventura. Meti-me a bordo de um bacalhoeiro português com a vontade de perceber melhor todo este universo da pesca do bacalhau, que nos continua a levar a pescar na Terra Nova, a mais de 2000 milhas de distância de Portugal. Lembro-me que nessa altura era bastante confuso para mim o facto de consumirmos tanto de uma espécie de peixe que nem habita as nossas águas, e há pouco tempo tinha conhecido aquele que é hoje um dos meus melhores amigos, o Henrique Ramos, que geria o programa de observadores que os armadores dos bacalhoeiros são obrigados a ter a bordo. Ele desvelou esse mundo que era tão desconhecido para mim e deu-me a oportunidade de embarcar como observador e fazer essa grande reportagem. Foi com essa reportagem que o Gonçalo Pereira, diretor da revista National Geographic Portugal, ficou a conhecer o meu trabalho e em Fevereiro de 2015 essa reportagem foi publicada na revista. O meu primeiro artigo com a National Geographic, com o qual fui distinguido com o Prémio Gazeta na área de fotojornalismo.

Sente-se mesmo um “vagamundo” como escreveu o Daniel Gonçalves?

É bastante difícil para mim separar o meu lado profissional do meu lado não profissional. Sinto sempre que sou o fotógrafo que sou porque sou quem sou. Condicionado pela minha história familiar, pelas pessoas que foram pontos de viragem na minha perspetiva do mundo, pelos meus amigos de infância, etc. Fotógrafo com o que sinto, a câmera é apenas uma ferramenta que me ajuda a impulsionar esta vontade de entender de uma forma mais profunda as pessoas e as estruturas sociais em que se inserem. É essa espécie de inquietação que me impele à viagem, no mais profundo sentido da palavra. E acho que é a isso que o Daniel se refere quando usa o termo Vagamundo.

O Pepe planeia uma viagem para fotografar ou a viagem leva-o à fotografia?

Na verdade, as duas situações já aconteceram. Embora na maioria dos casos as minhas viagens aconteçam porque há um trabalho de campo a fazer, num determinado lugar, houve momentos da minha vida em que a viagem, como experiência, foi o motor e as fotografias foram um resultado dessa experiência. Como aconteceu, por exemplo, com o trabalho “ensaio sobre o comprimento do silêncio”, que co-publiquei com o Daniel Gonçalves pela editora Glaciar. Um livro que viaja pela Índia, e explora sobretudo este pensamento que procura entender o verdadeiro poder do silêncio, enquanto ferramenta de observação, aprendizagem e de construção de identidade.

Digital ou analógico? A edição de imagens permite criar uma assinatura, um cunho identitário?

A fotografia é um processo que só termina no momento em que a imagem está a ser contemplada por alguém. Claro que o processo é diferente se recorremos a uma câmara digital ou uma câmara analógica, mas em momento nenhum senti que essa diferença fosse determinante. Não há dúvida que a forma como sentimos e interpretamos essa cadeia de acontecimentos que rompem à nossa volta é o que determina o resultado final. O resultado daquilo que vai ser contemplado e daquilo que fica impresso no fotógrafo e que o vai transformando profundamente.

Quem são as suas referências fotográficas?

Para o poder distinguir claramente, sendo que há outras referências, vou apenas referir o Sebastião Salgado, que tem sido uma constante na minha inspiração. E lá está, não apenas nas fotografias que consegue fazer, mas sobretudo na forma humana e sensata com que interage com as comunidades fotografadas e como aprofunda as grandes temáticas que tem trabalhado ao longo da sua carreira.

“Código postal: A2053N”: 3 meses num barco de pesca do bacalhau. Como nasceu este projeto e qual foi o seu olhar de fotógrafo e jornalista?

Como referi acima, a industria contemporânea do bacalhau e a identidade da própria espécie foram sempre temas muito abstratos no meu pensamento, talvez por estarem mais longe do meu universo açoreano das pescarias. Quando conheci o Henrique, toda uma outra dimensão piscatória foi revelada. Comecei a interrogar as pessoas que estavam à minha volta e reparei que havia um desconhecimento generalizado sobre o tema, sobre a sua história, sobre os métodos utilizados hoje em dia e, mais importante, sobre o impacto que estas têm no oceano. Tudo isto me levou a embarcar no Joana Princesa, um dos 13 bacalhoeiros portugueses a operar na Terra Nova.

Projetos para este ano, agenda de exposições, onde vamos poder admirar o seu trabalho?

Na sequência do trabalho que tenho desenvolvido nos últimos anos, sobretudo para a National Geographic, e que trata de comunicar ao grande público a ciência que se faz em Portugal, o ano de 2023 foi maioritariamente dedicado ao acompanhamento do incrível trabalho que o grupo de investigação do mar profundo, do Instituto Okeanos, da Universidade dos Açores, tem feito. A exploração do mar profundo, que ocupa mais de 60% de toda a superfície terrestre, continua a ser um dos maiores desafios do Homem, e este grupo de investigação tem dado contributos de grande importância para a democratização da forma como exploramos esses ecossistemas de profundidade. Depois de uma de recolha fotográfica e de captação de imagens de vídeo, uma grande parte de 2024 será dedicada à construção de um novo artigo, de um documentário e de uma série de 30 episódios que nos mostram esse misterioso mundo abissal. Além disso, está previsto para o Tuna Tales, uma série documental que mostra a discrepância de sustentabilidade que existe entre a pesca artesanal e a pesca industrial de atum, e reforça a importância de fortalecermos as comunidades costeiras que dependem destas pescarias de pequena escala, a produção de dois novos episódios, um no Brasil e outro nos Estados Unidos da América.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Aquilo que eu desejo, não só aos que se dedicam à produção artística mas a todos em geral, é que encontrem esses lugares de silêncio que referia há pouco. Lugares que nos permitem cuidar deste frágil e promissor jardim que cresce dentro de cada um. Um lugar que deixe a céu aberto o aterro que guarda o melhor de nós, e que nos permite o observar o mundo de uma perspetiva menos poluída e egocêntrica. Que nos faz amar o mundo como ele é, e ter força e vontade de arredar ansiedades contraproducentes que nos são trazidas por distrações que nos batem constantemente à porta. Ter uma visão próxima, profunda, clara e apaixonada de tudo o que dança à nossa volta é um dos principais combustíveis para a manter a criatividade acesa. Espero que tenham mais um ano de grandes ligações e de surpreendentes revelações.


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