Políticos sem prática

Quando a governação se torna um laboratório

Já imaginou ser operado por um cirurgião que conhece todos os manuais de medicina, domina a anatomia humana com rigor académico, mas nunca segurou um bisturi? Que jamais realizou uma cirurgia, nunca enfrentou uma hemorragia inesperada, nem teve de tomar decisões clínicas urgentes sob pressão? Seria impensável — e até criminoso — permitir tal prática sem qualquer experiência prévia.

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No entanto, é precisamente isso que permitimos, enquanto sociedade, no domínio político. Muitos dos nossos governantes, legisladores e responsáveis por políticas públicas possuem currículos recheados de teoria, mas desprovidos de prática. São peritos em modelos, discursos e diagnósticos, mas nunca “operaram” uma empresa, nunca lideraram equipas, nem sentiram na pele os efeitos das suas ideias quando aplicadas ao mundo real.

Esta realidade tornou-se estrutural em muitas democracias modernas. Existe uma crescente predominância de políticos cuja experiência profissional se restringe à academia, às juventudes partidárias ou ao exercício de cargos obtidos por nomeação política. Nunca passaram pela iniciativa privada. Nunca criaram valor no mercado. Nunca lidaram com as consequências económicas das decisões que recomendam aos outros.

A consequência desta dissociação entre teoria e prática é uma governação frequentemente baseada em ideias não testadas, aplicadas com ligeireza, como se o país fosse um laboratório de ensaio. Se correr bem, o partido capitaliza politicamente. Se correr mal, a penalização máxima é a perda de eleições. Mas as consequências reais — falências, desemprego, inflação, degradação dos serviços públicos ou aumento da dívida pública — recaem sobre os cidadãos e, pior ainda, sobre as gerações futuras.

Entretanto, os decisores regressam à sua zona de conforto — seja a universidade, os organismos internacionais ou os gabinetes partidários — sem qualquer responsabilização direta pelas políticas que falharam. É um modelo que premeia a retórica e protege a irresponsabilidade.

Políticas públicas como a redução do horário de trabalho, o aumento generalizado dos salários ou o alargamento dos benefícios sociais devem ser debatidas, sem dúvida. Contudo, também devem ser testadas, avaliadas e validadas em contextos reais. Caso contrário, não passam de exercícios teóricos, muitas vezes bem-intencionados, mas potencialmente desastrosos.

Deveria implementar um modelo de validação prática: que qualquer partido com representação mínima — por exemplo, cinco deputados — acederia a um fundo público, da ordem dos 20 milhões de euros, destinado à criação e gestão de empresas-piloto onde possa aplicar, em ambiente real, as suas ideias políticas. Estas empresas funcionariam como laboratórios de governação responsável, permitindo testar soluções com impacto mensurável antes da sua aplicação generalizada.

Naturalmente, tal fundo estaria sujeito a auditorias externas, relatórios públicos e transparentes, acompanhadas por contabilistas certificados, havendo sanções severas em caso de má gestão. O objetivo seria estimular a responsabilidade política com base em resultados concretos, distinguindo os partidos que compreendem o funcionamento da economia real daqueles que apenas operam no plano da retórica.

Se um partido defende que é possível criar habitação acessível sem recorrer à lógica do lucro imobiliário, poderá demonstrá-lo através de projetos habitacionais exemplares. Se acredita que é viável uma licença parental de três anos paga a 100%, terá a oportunidade de provar que essa prática é financeiramente sustentável e socialmente eficaz num contexto empresarial concreto.

A democracia fortalece-se quando as ideias são escrutinadas, não apenas nas urnas ou nos debates parlamentares, mas também, na prática. Assim como se exige que um gestor, um médico ou um engenheiro demonstre competência através da ação, também aos políticos se deve exigir um mínimo de validação prática das suas propostas.

Este modelo não pretende eliminar o espaço para a ideologia nem o debate de ideias — pelo contrário. Pretende elevá-los, através da exigência de que a teoria seja acompanhada de coerência e capacidade de execução. Os partidos deixariam de ser apenas agências de opinião para se tornarem também escolas de aplicação responsável.

Está na hora de exigirmos aos nossos representantes o mesmo nível de responsabilidade que exigimos a qualquer profissional: não basta saber — é necessário provar. Porque, em última instância, os erros das políticas públicas não recaem sobre os seus autores, mas sobre todos nós.

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