União Europeia – Índia

Razões para uma boa esperança

No próximo dia 8 de Maio o primeiro-ministro indiano Narendra Modi irá encontrar-se virtualmente com os seus homólogos dos vinte sete que se reunirão no Porto. Numa importante mudança de formato face às quinze cimeiras anteriormente realizadas, e que começaram numa outra Presidência portuguesa, Modi poderá contactar, ainda que à distância, com todos os líderes dos Estados-membros e não apenas com os principais titulares das instituições europeias. Esta alteração reforça a importância da cimeira e sublinha a nova prioridade que a Índia e a União Europeia se conferem mutuamente no contexto internacional.
A afinidade sistémica entre ambas é hoje mais evidente, sobretudo à luz da rivalidade nesse plano que mantêm com a China, assumida pela Presidente von der Leyen no discurso do Estado da União de 16 de Setembro de 2020.
No caso sino-indiano, o antagonismo dos dois colossos populacionais assume contornos cruentos de crescente hostilidade, materializada em diversos episódios de violência ao longo das suas regiões fronteiriças.
Tal como tem feito com o Japão, com quem mantém uma parceria estratégica muito estável e produtiva, a Índia deverá procurar diversificar e reforçar a aliança das democracias face ao modelo concorrente e aprofundar o relacionamento económico com a União Europeia. Este momento de aproximação entre blocos democráticos e as oportunidades que desejavelmente daí decorrerão constituem uma altura propícia para que a União Europeia e o Ocidente como um todo reflictam sobre os seus valores, as suas políticas de alianças e a sua liderança à escala global.

Apesar do “pivot” americano para a Ásia-Pacífico, anunciado e aplicado pela administração Obama em 2011, e da menorização ostensiva da União Europeia por parte da presidência Trump, os Estados Unidos e os seus aliados europeus, que parecem encetar algum grau de reaproximação, têm aprendido da pior maneira a circunstância invulgar de a sua aparente auto-suficiência ser insuficiente num mundo de muitas cores e de tantas vozes.
Mundo ligado em rede, em que a informação circula com relativa liberdade e onde a conectividade, as trocas comerciais e o relacionamento horizontal e em múltiplas plataformas assumem crescente importância… e onde se afirma paulatinamente uma nova super-potência com aspirações globais cada vez mais evidentes.

Estamos hoje bastante longe do “momento unipolar” americano, expressão cunhada por Charles Krauthammer para designar a incontestabilidade do poder dos EUA. Muitos dos que antes seguiam o Ocidente, confiavam na justeza e na universalidade dos seus valores e propósitos passaram a desconfiar das suas intenções, a descrer da sua generosidade e a encontrar modelos alternativos sedutores e competitivos. Alguns representantes desse mundo multivocal recentemente arrancado ao mutismo, como Kishore Mahbubani, reconhecendo que «os princípios ocidentais da democracia, do Estado de Direito, e da justiça social estão entre as melhores apostas do mundo», apontam uma falha fundamental no pensamento estratégico ocidental: «parte do princípio que é a fonte das soluções para os principais problemas do mundo. De facto, no entanto, o Ocidente é uma fonte importante destes problemas.»
A cimeira de 8 de Maio, apesar das restrições causadas pela pandemia, será uma boa oportunidade para a União Europeia demonstrar que não só conta com a adesão dos que perfilham os mesmos valores como está disposta a estabelecer ligações fortes e a trabalhar com empatia e proximidade com os parceiros mais fiáveis para além da suas vizinhanças imediatas. As Conclusões do Conselho da União Europeia de 16 de Abril deste ano sobre uma estratégia de cooperação para o Indo-Pacífico onde se «considera que a UE deve reforçar o seu foco estratégico, presença e acções» na região dão sinais animadores nesse sentido.
A ligação entre Portugal e a Índia é muito antiga e fundiu os nossos povos. A circunstância traumática da ocupação do Estado Português da Índia pela União Indiana a 18 de Dezembro de 1961 dificultou e inibiu esse relacionamento, mas este persistiu e mantém-se. A influência portuguesa e a cultura e civilização, tão específica quanto autêntica, que resultou deste encontro constituem uma marca identitária que valoriza o subcontinente indiano, assim como a influência indiana alargou a visão portuguesa do mundo e enriqueceu-nos colectivamente.
O exemplo deste diálogo multissecular e a tessitura humana que sustenta uma relação que extravasou há muito a dimensão política e se enraizou na vida e na história de pessoas e de famílias concretas – apesar do tempo, dos desencontros e da distância – são boas razões para que a reaproximação da UE à Índia tenha lugar precisamente sob esta Presidência do Conselho da União Europeia. Razões para uma boa esperança.

João Vacas, Consultor para os Assuntos Europeus da Abreu Advogados.

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