O valor do sintoma em psiquiatria infantil

A propósito da irrequietude/hiperatividade


O valor do sintoma em psiquiatria infantil – a propósito da irrequietude/hiperatividade
Em pedopsiquiatria, como em todas as áreas da medicina, o sintoma tem uma importância essencial. É ele que nos permite chegar a um diagnóstico e, assim, perceber qual o melhor tratamento.
O sintoma ou a “queixa”, é normalmente aquilo que é relatado pelos pais, cuidadores, professores, aqueles que privam de perto com a criança.
Mostra a valorização e a tolerância que os adultos têm ao comportamento apresentado pela criança e, por outro lado, a sensibilidade que têm ao possível sofrimento por elas apresentado.
Os sintomas em pedopsiquiatria não são muito variados, dependem da idade da criança, do seu nível de desenvolvimento e da sua capacidade expressiva – passam em grande parte pelo corpo e pelo comportamento e raramente são verbalizados, sobretudo nas crianças mais pequenas.
Para complicar, em pedopsiquiatria, o mesmo sintoma pode corresponder a quadros psicopatológicos diferentes, dinâmicas familiares variadas e ter um significado diverso.
O que é certo é que ao eliminar um sintoma farmacologicamente, sem o compreender antes, eliminamos também a possibilidade de chegar ao seu significado e intervir verdadeiramente (embora haja casos em que é importante utilizar psicofármacos se o sintoma for muito pervasivo, para que a criança possa voltar a ter capacidade para pensar e para pensar-se na relação com os outros).
A irrequietude (ou agitação psicomotora) é um dos sintomas mais frequentes em saúde mental infantil. A irrequietude, numa criança que está a crescer, a aprender a conhecer as suas emoções e a auto-regular-se pode (e tem) de ser compreendida de diversas formas, consoante a criança que nos é apresentada:

  • É muitas vezes uma manifestação de ansiedade – as crianças com ansiedade não são obrigatoriamente inibidas, podem ser apenas mais agitadas, para conseguir, por um lado, libertar a ansiedade através do movimento corporal, por outro lado, conseguir fazer frente à ansiedade sem paralisar;
  • Pode ser uma forma de apresentação de alteração do humor – uma criança triste ou até deprimida não apresenta uma sintomatologia igual ao adulto com depressão, antes agita-se para não ter de lidar com pensamentos mais difíceis e para não se permitir entristecer;
  • Pode tratar-se duma estratégia relacional – para ter o olhar dos cuidadores, evitar separações, terminar conflitos entre adultos, e até indiciar a presença de cuidadores com depressão (em que essa agitação serve para “animar” e agitar o adulto, que afinal precisa ele também de ajuda);
  • Pode até corresponder a quadros psicopatológicos mais graves como problemas da vinculação, rupturas, carências múltiplas, traumas ou situações reactivas.
    Estes são apenas alguns exemplos onde pode existir irrequietude, muito para além dum diagnóstico de perturbação de hiperatividade com défice de atenção (ou PHDA, falo desta entidade pela sua popularidade crescente, o que faz com toda a criança irrequieta seja confundida com criança hiperativa, o que pode não corresponder à verdade e até ser perigoso).
    Assim, um comportamento hiperativo/irrequieto na criança pode ser observado como resposta a diversas circunstâncias e em diferentes contextos e uma mesma entidade sintomatológica pode trazer um diagnóstico muito diferente, com um tratamento também ele muito diferente.
    Na maioria das vezes, os meninos que observo tem mais do que razão para se agitarem, e nessa altura dizemos que existe comorbilidade. Os desafios terapêuticos são maiores, mas o olhar tem de ser global.
    Já dizia João dos Santos, pedopsiquiatra e psicomotricista, pioneiro da psiquiatria infantil em Portugal, “cada criança nasce numa circunstância que, desde sempre e para sempre, não foi nem será mais repetida, numa circunstância única”.


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