Andreia Melo

© Jorge Blayer Góis

Andreia Melo, é natural de Vila das Velas, na ilha de S. Jorge, onde reside atualmente.
Licenciou-se em Teatro, variante Interpretação, na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Instituto Politécnico do Porto. Desde 2013 que é professora de Expressão Dramática na Santa Casa da Misericórdia da Vila das Velas, onde desenvolve projetos artísticos. Conta também com a organização, escrita e produção de diversos bailinhos de Carnaval e Marchas Oficiais da Semana Cultural, trabalhos efetuados para o Município de Velas desde 2017 até ao presente. Trabalha como atriz com a Companhia de Teatro Cães do Mar na ilha Terceira. Em simultâneo é Presidente, fundadora e encenadora da Associação Grupo de Teatro Iuventute Virtutis, um grupo de teatro jovem na vila das Velas que produz espetáculos e animações de rua. É também cooperante e secretária da Assembleia Geral da Rádio Lumena, onde desenvolve o programa “Espaço Cultura” semanalmente. Paralelamente desenvolve diversos workshops de Teatro em variadas instituições, destacando-se o trabalho efetuado para o Museu Francisco de Lacerda e o Museu da Graciosa. Desde 2013 que conta com dezenas de projetos teatrais da sua autoria que já circularam pelo Pico, Graciosa, Terceira e S. Miguel. Entre 2021 e 2022 foi embaixadora da ilha de São Jorge da candidatura Azores 2027 – Ponta Delgada Capital Europeia da Cultura.

Como nasceu o mundo do teatro para uma jovem da ilha de São Jorge?

Desde muito pequena, na escola primária, que o corpo docente se apercebeu que eu tinha uma boa capacidade de memorização e à vontade em cima do palco. Portanto, desde os 3 anos, sem ter uma memória muito nítida disso, que fui colocada a fazer peças de Teatro em todas as atividades da escola perante centenas de pessoas. Isto desencadeou uma forma muito orgânica da cultura estar presente dentro de mim. Aprendi música em casa com um primo maestro aos 5 anos, toquei em três bandas filarmónicas até ir para a universidade, e ao mesmo tempo estava no grupo de Teatro amador, continuava a fazer Teatro na escola, ainda participava nos escuteiros e era acolita e lia na igreja. Cresci neste mundo açoriano de viver a cultura local e participar em várias associações ao mesmo tempo.

Quais são as suas principais influências culturais teatrais?

A primeira grande influência foi a comédia de enganos tipicamente açoriana. Foi nisso que cresci. Mas com o passar dos anos, e quando comecei a fazer formações promovidas pelo INATEL que descobri os grandes autores de Teatro e começou a inquietação de me afastar das tão afamadas “comédias”. Para mim, Brecht, é o maior génio que existiu na história do Teatro. Não deixo nunca de parte os clássicos gregos e romanos, e aprecio especialmente o Teatro de intervenção. Gosto de trabalhar à volta do papel da mulher, da identidade e emancipação feminina, da guerra. Gosto que o Teatro seja uma ferramenta didática, que sirva para alertar para os males do mundo. Adoro dramas e temas “pesados”.

© Jorge Blayer Góis
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Conta como foi a vida num curso de Artes e Espetáculo na cidade do Porto?

Foi o sonho tornado realidade. Para começar, entrar na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo – IPP foi a validação de que era possível atingir os nossos objetivos. De início, tinha tudo para correr mal, venho de uma família sem grandes rendimentos, e apesar de ser aluna de mérito, não tive direito a qualquer tipo de ajuda financeira. Trabalhei e estudei ao mesmo tempo, pedi um crédito ao banco que terminei de pagar em 2020. Ninguém fora da família defendia a minha escolha, diziam-me que era um desperdício uma tão boa aluna ir pelo caminho artístico, que em Portugal isso não dá nada. O próprio Município das Velas, em 2010, declarou que não me era concedida bolsa de estudo porque o meu curso não tinha “interesse” na atividade económica da ilha. Felizmente esse tipo de critério já não se aplica hoje em dia. Mas era o que eu queria e a minha família ajudou-me, e muitos amigos também.
Contudo, com tanta exigência e dificuldade terminei o primeiro ano de faculdade com um esgotamento nervoso: aquilo não era para “meninos”. A escola tinha mesmo a pretensão de te educar para saberes lidar com as adversidades de viver do mundo do espetáculo, tinhas de dar conta do recado, trabalhar muito, dar tudo o que tinhas e o que não tinhas, e deixar as lágrimas lá fora. Ou então, como alguns dos meus colegas, fazer as malas e voltar para casa. Dei a volta por cima, completei os 3 anos de licenciatura com muito bons resultados, e hoje olho com muito carinho para trás. Aquela experiência fez metade da pessoa que sou hoje, garantidamente.

Que papéis, como atriz, encarnou durante os últimos anos?

Não fiz papéis “famosos” ou grandiosos na cena teatral portuguesa. Mas faço Teatro há muitos anos, portanto já fiz muita coisa. Nos últimos tempos fiz a Maria Machado com os Cães do Mar da ilha Terceira, fiz também com eles uma peça de rádio denominada Clandestina sobre Otília Frayão, participei em alguns Bailinhos de Carnaval que faço todos os anos para o Município das Velas. Mas verdade seja dita, a vida de atriz tem ficado mais paralela, porque não gosto de me encenar a mim própria, para mim não é eficiente, portanto tenho me dedicado muito mais à escrita, criação e encenação de projetos comunitários. Faço trabalhos de atriz quando posso e recebo convites externos para isso, ou então para suprir alguma falta em algum dos meus projetos.

© Jorge Blayer Góis

Encenadora só entrou na sua vida depois de voltar para a ilha? Que tipo de obras prefere levar a palco?

Isto de ser encenadora acontece por necessidade. Existem, que eu tenha conhecimento, três jorgenses formados em Teatro. Eu sou a única que regressou à ilha. A necessidade aguça o engenho, se eu queria fazer projetos aqui, tinha de os encenar. Juntei-me com colegas e com amigos e começámos a fazer projetos envolvendo toda a gente que quisesse participar, não distinguindo ninguém. Uma vez que eu era a pessoa que tinha estudado as técnicas, tinha algum conhecimento mais aprofundado, acabei por ficar a dirigir todos os projetos, e a fazer toda a plástica dos mesmos com a ajuda dos participantes.
A maior parte do meu trabalho é escrita original e colagem de textos de vários autores. Muito debruçado na História Açoriana e na emancipação feminina. Parcialmente faço, na escola onde trabalho, dois espetáculos infantis por ano, às vezes três, a partir de contos ou exploração de temáticas. Quando há dinheiro, fascina-me muito o mundo espetacular, e gosto de usar recursos técnicos para que o projeto seja como imaginei. E tenho gosto especial que os meus projetos tenham música ao vivo, dança ou pintura, aprecio também este cruzamento disciplinar, faço muito teatro que não parte de um texto dramático. Mas também já fiz “O Principezinho” e a “Alice no País das Maravilhas”, como faço Bailinhos de Carnaval ou as “Troianas” de Eurípedes. Mas isto tudo tem uma explicação…

Quando voltou a São Jorge fundou IUVENTUTE VIRTUTIS. Porquê e quais os objetivos da entidade?

A Iuventute Virtutis nasceu em 2015, pela mão de vários amigos meus que me ajudaram e que partilhavam comigo o gosto teatral. Eles participaram no ano anterior nos projetos de recriação histórica açoriana que eu tinha feito para a Misericórdia das Velas que foram o primeiro grande sucesso do meu caminho nesta ilha. Mas tanto eles como eu, queríamos mostrar outras linguagens, queríamos fazer tragédias, teatro de intervenção, peças familiares, peças estrangeiras, grandes clássicos, autores contemporâneos… Queríamos fazer o que nunca se passava em S. Jorge. Queríamos mostrar ao público que o Teatro era muito maior que as ditas “comédias”. Em 2016 fundamos a Iuventute Virtutis como Associação sem fins lucrativos e cá estamos até hoje.

Que historial já pode contar das produções nos Açores?

O historial é grande porque basicamente faço muitos trabalhos ao mesmo tempo. Sou “pau para toda a obra” porque não há muito mais gente que faça, e a nível profissional, no Teatro, não há mais ninguém. A ver, em simultâneo trabalho para a Misericórdia das Velas como professora de Expressão Dramática, e onde já dinamizei (até ao Covid) o Grupo de Teatro com colegas da instituição, sou encarregue dos Bailinhos de Carnaval e Marchas Oficiais do Município de Velas e sou a presidente e encenadora da Iuventute Virtutis, fora os convites externos que recebo e mais um sem número de animações de rua. Isto significa que por exemplo em 2023 fiz 6 projetos, este ano já vou em 10 e apresento pelo menos mais 3. Vivo nesta loucura há quase onze anos, portanto já perdi a conta de quantos fiz. Mas guardo alguns num lugar especial, sobretudo dos que fiz para a Misericórdia das Velas: “Voluntatis” (2015), “As Troianas” (2016), “Misericórdia, que somos todos iguais!” (2017) e o “Ei-Migrante” em (2018). Com a Iuventute Virtutis tivemos o maior sucesso com “Portugal em Construção” (2016), “O Principezinho” (2017) e a “Alice e o País das Maravilhas” (2019).
Os nossos trabalhos já foram apresentados em cinco das nove ilhas dos Açores.
Orgulho-me muito de ter contribuído para criar público de teatro em S. Jorge. Em 2014 fazíamos peças para vinte pessoas, hoje em dia as nossas salas enchem com frequência.

© Jorge Blayer Góis

Ser mãe mudou sua perspetiva de ser artista? Como tem sido a vida de organizar o aspecto artístico e ter que cuidar de uma criança?

Sim e não. Sim porque levo os projetos com mais calma, o Teatro e a Cultura deixaram de ser o meu maior objetivo de vida. Agora é a minha filha. Não, porque me continuo a meter em mil coisas ao mesmo tempo, tenho tido um ano como os que tinha antes da maternidade e isto só é possível porque a minha filha e eu temos um “super-pai/companheiro” que cuida de tudo o que é necessário para eu poder continuar a trabalhar tantas horas por dia, fora toda a nossa família, principalmente os meus pais, que seguram todas as pontas.
Mas isto não é fácil, e eu estou numa fase de extremo cansaço, e claramente que em 2025 não poderei continuar neste ritmo. Os trabalhos não remunerados, ou menos remunerados, ou que não são contabilizados em horário laboral vão ter de deixar de existir, porque a minha saúde está a ser posta em causa, assim como o tempo que tenho disponível para a minha família.

É uma das artistas colaboradoras da MiratecArts. Como é que esta entidade tem contribuído para a evolução da sua vida no setor artístico?

A MiratecArts é sobretudo uma rede de contactos. A maior parte dos artistas Açorianos que conheço, inclusive alguns dos convites que me surgem, estão diretamente ligados ao facto de me ter conectado à MiratecArts.

Quais são os seus projetos do ano?

Este ano com a Iuventute Virtutis fiz “O Corpo na Cave” e agora temos uma performance denominada “Livrei”. Para a Misericórdia das Velas, com os meus alunos e colegas, fizemos a peça “O Boi e o Burro a Caminho de Belém”, uma exposição da Páscoa, um filme denominado “A Minha Família”, uma peça de teatro-dança “O que fazer com uma preocupação?” e o espetáculo de fim de ano “Pequenos Grandes Artistas”. Para o Município das Velas fiz o Bailinho “As Espécies da Guidinha” e ensaiei a Marcha Oficial “O Turismo e as nossas belezas naturais”. Com os Cães do Mar repusemos “A Rubra Flor da Fajã”.
Conto fazer mais dois trabalhos com colegas e alunos da Misericórdia das Velas até ao final do ano civil, e estou a trabalhar como atriz no espetáculo “Fragmentos” que vai fazer parte da temporada SURREABSURDO, na ilha do Pico, uma criação inspirada pelo mundo de Beckett.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Não é apenas talento, é trabalho, muito trabalho, isto tem guiado a minha carreira.

© Jorge Blayer Góis
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