Vergílio Ferreira

Apelo da noite

Vergílio Ferreira, romancista e ensaísta português, nasceu em Melo, no concelho de Gouveia e distrito da Guarda em 1916. Viria a morrer em Lisboa em 1996.
Dado o ascendente da religião Católica sobre a sua família e meio, frequentou o Seminário do Fundão que abandonou em poucos anos e de cujos dias dá testemunho no seu livro Manhã Submersa. Frequentou o ensino secundário no liceu da Guarda e licenciou-se em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Exerceu funções docentes no Ensino Secundário em Bragança, Évora e Lisboa.

Destacou-se no domínio da prosa ficcional, como um dos maiores romancistas portugueses do século XX.
Os que privaram com o escritor reconheciam como permanentes em si e na sua obra, os traços atávicos da sua serra primitiva; Vergílio Ferreira era um beirão esculpido pelo frio agreste, pelo austero granito, pela vertigem das alturas; e, tinha em si a disposição determinada das gentes. Assim se fez a sua sensibilidade; assim o homem, o escritor, as suas emoções e a sua perceção do mundo se plasmaram nesta circunstância física e espiritual; e assim ele os levou ao Mundo.

Senão, leiamo-lo numa sumária evocação de Melo, a sua terra natal; numa breve mas completa confirmação da sua mestria:

Melo é uma bela aldeia, mesmo a olhos estranhos que porventura a visitem. E a serra, que a domina e abriga, imprime-lhe um carácter em que facilmente fiquei a reconhecer-me para a vida inteira. Neve, ventos, solidão. E o negrume das terras e modo de ser das gentes.

Sinais fáceis de uma identificação dessa minha terra e de mim. Houve assim interpenetração dela e do que sou. De modo que não sei se foi ela que me marcou, se sou eu que assim a recriei em mim e assim a fiquei a ver para sempre.
(Espaço do Invisível 5: 95-96)

Vergílio Ferreira surgiu, enquanto ficcionista, próximo do neo-realismo nos anos 40 com “O Caminho Fica Longe” (1943), “Onde Tudo Foi Morrendo” (1944), “Vagão J” (1946) ou “Mudança” (1949).

Dedicatória a Eduardo Lourenço

Nos anos posteriores, revela uma progressiva competência de pendor existencialista e de reflexão filosófica, no ensaísmo e ao nível da construção narrativa.
Este ponto de viragem é marcado pela publicação de “Aparição” (1959) -Prémio Camilo Castelo Branco – mas atingirá maturidade inteira em “Alegria Breve” (1965).
Temas como a morte, o amor, a condição humana ou o sentido do universo compõem a arquitetura em que se desenvolve uma inquieta e irremediável angústia. Esta forma revela-se por uma corajosa desmontagem da ordem ficcional convencionada; o protagonismo crescente das inquietações das personagens, profundamente mergulhadas num monólogo interior sem limites,

manifesta sobretudo um pessimismo metafísico, existencial e sem retorno.
Albert Camus ou Malraux e a verificação atormentada da condição humana, determinam, pois, esta narrativa única nas nossas letras.

A prosa de Vergílio Ferreira, que se filia numa marcada e bem assumida tradição queirosiana é, no entanto, uma das mais vanguardistas entre a produção literária do século XX.
O ensaio, outra das grandes vertentes da sua obra acaba por influenciar a sua criação romanesca. Entre os seus títulos destaque para:

“Do Mundo Original” (1957), “Carta ao Futuro” (1958), “Cântico Final” (1960), “Estrela Polar” (1962), “Espaço do Invisível” (1965/1977), “Invocação do Meu Corpo” (1969), “Rápida a Sombra” (1974), “Signo Sinal” (1979), “Em Nome da Terra” (1990), “Na Tua Face” (1993) ou “Cartas a Sandra” (1996); em 1986, Vergílio fez uma incursão na poesia em “Uma Esplanada Sobre o Mar”.
É, ainda, indispensável uma referência ao seu volume de Contos (1976) que inclui sucintas obras primas, numa demonstração do engenho original de Vergílio como “A Galinha”, “Apenas Homens”, “Mãe Genoveva” ou “A Estrela”.
Livros como “Para Sempre” (1983), que venceu os Prémio PEN Clube, da Associação Internacional de Críticos Literários e Município de Lisboa, ou “Até ao Fim” (1987)

laureado com o Prémio Associação Portuguesa de Escritores, representam o culminar de uma orientação formal e estética que Eduardo Lourenço definiu “… o romancista perseguirá sem desfalecimento: experimentar-se, viver-se cada vez com maior radicalidade, como eu absoluto e nu diante de um mundo reduzido à sua primigénia aparição cósmica…”.

Traduzida em várias línguas, a sua obra inclui, além da novelística e do ensaio, os nove volumes de diário Conta-Corrente (1980-1994). Também, neste caso, falamos de uma obra ímpar. Imperdível enquanto confirmação da genialidade e talento do escritor.

Em 1976, o realizador Manuel Guimarães adapta para o cinema o romance Cântico Final da mesma forma que em 1980, Lauro António adapta Manhã Submersa e, por sua vez, Fernando Vendrell filma em 2018, Aparição. Posteriormente, em 1994 e 2021, os contos A Estrela e A Palavra Mágica serviram de motivo para curtas metragens, por Frederico Corado e Maria Esperança Pascoal, respetivamente. A 3 de setembro de 1979, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

A 4 de fevereiro de 1989, foi agraciado com o grau de Grã-Cruz da Ordem do Mérito. Em 1992, Vergílio Ferreira foi eleito para a Academia das Ciências de Lisboa; no mesmo ano recebeu, pelo conjunto da obra, o “Prémio Camões”, o mais importante galardão literário dos países de nossa Língua.
De referir, ainda, que Vergílio Ferreira é hoje um dos autores contemporâneos de língua portuguesa mais lidos e estudados no Brasil e nos países africanos de Língua Portuguesa.

Fontes:
Vergílio Ferreira. Infopédia. N.p., n.d. Web. 01 Feb. 2016.
Vergílio Ferreira: Escrever e Pensar ou O Apelo Invencível da Arte / organização Ana Paula Coutinho … [et al.]; 1ª ed. Lisboa : Âncora Editora, 2017.
Vergílio Ferreira/Um escritor apresenta-se ; apres. pref. e notas Maria da Glória Padrão: Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981.

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