Gabriela Ruivo

Palavra ao Associado AILD

Gabriela Ruivo Trindade, Presidente do Conselho Cultural da AILD/Reino Unido, é uma escritora portuguesa que reside em londres desde 2004. “Espécies Protegidas”, uma coletânea de contos, é o seu mais recente livro publicado. Distinguida com o Prémio LeYa, em 2013, à boleia do romance de estreia “Uma Outra Voz”, também distinguido com o PEN Clube Português Primeira Obra (ex-aequo) em 2015, Gabriela Ruivo Trindade conta ainda no seu portefólio com a publicação do conto infantil “A Vaca Leitora”, em 2016, e do livro de poesia “Aves Migratórias”, em 2019.

© Emanuel Ferreira

O que faz profissionalmente? Sempre foi a sua paixão?

Se considerarmos profissão como trabalho remunerado, essa pergunta é difícil de responder. Atualmente sou beneficiária de uma bolsa de criação literária da DGLAB e Ministério da Cultura, por isso pode dizer-se que estou a trabalhar num livro. Mas depois há muitos outros projetos que faço apenas por amor à literatura. A escrita sempre foi a minha paixão, sim. Escrevo desde os 8, 9 anos. Foi algo que sempre me acompanhou vida fora.

É possível viver só da venda dos seus livros?

Não. Hoje em dia, conta-se pelos dedos da mão quem consegue essa proeza.

© Emanuel Ferreira
© Emanuel Ferreira

Há quanto tempo vive no Reino Unido?

Faz dezoito anos em Dezembro.

Pensa regressar ao seu país de origem? O que sente falta de Portugal?

Há sempre o desejo de regressar, o problema é que, quando se emigra, dificilmente se regressa ao país que se deixou, pois a distância faz com que o país mude aos nossos olhos, e nós também mudamos em relação a ele. Quem emigra habita uma espécie de limbo, de fronteira. Passamos a ser estrangeiros no país onde habitamos e também no que deixámos. Então nunca se regressa verdadeiramente a esse país que era o nosso. O que mais sinto falta de Portugal é o sol, a comida e os amigos. O pão, principalmente.

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O que menos gosta de Portugal?

Portugal é um país muito pequeno, não só no tamanho, mas na mentalidade social. Isso sente-se de forma mais evidente quando vivemos fora. Um país virado para o seu umbigo e com saudades do Império, uma forma, quem sabe, de compensar a pequenez atual. Claro que Portugal não é o único saudosista do “passado glorioso”, temos o exemplo do Reino Unido, onde esse saudosismo foi parte do mecanismo que levou ao Brexit. É impressionante a forma como os países ocidentais precisam de alimentar esse sentimento de grandiosidade perdida, não obstante os exemplos atuais do que o Imperialismo exacerbado pode produzir. Uma cisão entre o Imperialismo bom e o mau; o bom aquele que recordamos como uma época gloriosa de descoberta de novos mundos. Esquece-se, ou omite-se, que a conquista implica apropriação, saque, chacina e outros crimes hediondos. Portugal foi um dos maiores traficantes de escravos, senão o maior, e ainda hoje não é capaz de ter um discurso nem uma ação que se reflita na consciência desse passado. O que impera é a negação desse passado e a glorificação de um delírio coletivo.

Desafios e projetos para 2022? Quais os projetos que pretende desenvolver na AILD?

Para além do livro que estou a escrever, tenho os Mapas do Confinamento, um projeto que desenvolvi com o Nuno Gomes Garcia, outro escritor português e associado da AILD. Os Mapas pretendem unir, através da arte e da literatura, os diversos territórios de língua portuguesa na criação de obras artísticas que sirvam como memória futura da realidade da pandemia. Somos cerca de 150 artistas oriundos do Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde. Temos uma revista online, um livro de contos e crónicas publicado pela editora Visgarolho em Portugal, e várias parcerias (Dias Úteis Podcast, Fundação Calouste Gulbenkian, Universidades de Oxford, Jean Monnet de Saint-Étinenne e Estudos Estrangeiros de Pequim, com vista à tradução para inglês, francês e chinês, respetivamente). Na AILD, inaugurámos o PinT – Portuguese in Translation – Book Club, um clube do livro com o objetivo de divulgar e promover a literatura em língua portuguesa junto do público anglo-saxónico. De dois em dois meses, discutimos um livro de um autor de língua portuguesa traduzido para o inglês, com a presença do autor e do tradutor. A primeira sessão foi no fim de Março, sobre Marrom e Amarelo do escritor brasileiro Paulo Scott (Phenotypes, tr. Daniel Hahn, publicado por And Other Stories em 2022), e correu muitíssimo bem. A segunda será em Maio, dia 19, com o autor português Afonso Cruz e o tradutor Rahul Bery, sobre a obra A Boneca de Kokoschka (Kokoschka’s Doll, MacLehose Press 2021).

© Emanuel Ferreira

Porque se tornou associada da AILD?

A AILD parece-me uma associação com bastante potencial para construir pontes entre as diferentes comunidades de língua portuguesa. Quando fui convidada para presidir a equipa cultural do Reino Unido, não tive dúvidas de que se tratava de uma iniciativa com potencial transformador, integrada no movimento de internacionalização que a AILD pretende levar aos quatro cantos do globo com o objetivo de expandir a sua ação a todos os territórios de língua portuguesa. Este objetivo veio ao encontro das minhas próprias metas e aspirações em relação a outros projetos, pelo que fez todo o sentido uni-los e concretizá-los num propósito comum.

Considera que a rede internacional que a AILD está a criar pode ser de grande ajuda para os escritores e artistas em geral?

A rede tem bastante potencial para isso, e esse, claro, é um dos nossos grandes objetivos. Precisamos de uma ligação mais eficaz entre os artistas que vivem fora e dentro dos seus países de origem, no sentido de mais conhecimento e comunicação, troca de experiências, iniciativas comuns. Precisamos de trabalhar em conjunto, unir esforços, ajudarmo-nos mutuamente.

Uma mensagem para as comunidades lusófonas.

Prefiro o termo comunidades de língua portuguesa porque, no fundo, é isso que nos une: a língua. Somos países, territórios e culturas diferentes que falam português, ainda que esse português se expresse em sotaques e variantes diversas. A nossa língua é uma das maiores riquezas patrimoniais de que dispomos, e deveria ser um veículo promotor de aproximação e sentimento de pertença entre os vários povos que a falam. Esse também é um dos meus objetivos enquanto membro da AILD: a tentativa de superar fronteiras dentro desse vasto território que é a língua portuguesa para que, juntos, possamos celebrá-la e enriquecê-la continuamente, assim como as várias expressões artísticas que se alimentam do seu amplo esplendor cultural e patrimonial.
A minha mensagem vai nesse sentido: celebremos a nossa língua na sua diversidade cultural e artística, usemo-la como ferramenta de união e solidariedade, construção e comunicação, desenvolvimento e prosperidade. E não baixemos os braços perante os muros que teimem em atravessar o nosso caminho.

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