Afonso Ribeiro

O escritor de Moimenta da Beira injustamente esquecido

Há nomes que deveriam ser destacados no panorama literário nacional e que, infelizmente, fruto de vicissitudes várias, foram relegados a um imerecido esquecimento.
Afonso Adelino Ribeiro é um deles. Talvez pelo seu profundo entrosamento numa estética literária hoje “datada”, o neo-realismo. Talvez pelas perseguições de que foi alvo por parte da polícia política do Estado Novo e pela Censura dos seus livros postos “fora do mercado” assim viam o prelo. Talvez por alguma aversão do ‘establishment’ académico mais conservador.
Sobre ele escrevi na revista de literatura “forma breve”, da Universidade de Aveiro, 2003, num contexto de análise de 5 contos, intitulado “Contos comuns”:

“Afonso Ribeiro nasceu em Vila da Rua, Moimenta da Beira, em 1911. Morreu em Cascais, em 1993. Professor primário, com muitas dificuldades materiais, afirma-se pelo seu talento e coragem. Contrário ao regime político e ideológico vigente, toda a vida sofreu as consequências da sua atitude e irreverência, tendo sido várias vezes preso, sujeito a buscas domiciliárias, alvo de apreensão das suas obras, proibido de exercer o magistério, constantemente perseguido pela PIDE. Emigrou para o Brasil, depois para África, tendo-lhe sido sempre a vida madrasta.

Conjuntamente com Alves Redol, Sidónio Muralha, Armindo Rodrigues, Mário Dionísio, João José Cochofel, Joaquim Namorado, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Fernando Namora, Fernando Monteiro de Castro Soromenho, Vergílio Ferreira… é um dos nomes destacados do Neo-Realismo português e seu grande precursor com o livro “Ilusão na Morte”, de 1938, que é considerado uma das primeiras manifestações do Neo-Realismo em obras de ficção.

Da sua bibliografia destacamos “Ilusão na Morte” (1938), “Plano Inclinado” (1941), “Aldeia” (1943), “Trampolim” (1944), “Escada de Serviço” (1946), “Maria” (trilogia, 1946, 56, 59), “Povo” (1947), “Da Vida dos Homens” (1963), “O Pão da Vida” (2º romance da trilogia “Maria”- 1956), “O Caminho da Agonia” (3º romance da trilogia “Maria” – 1959), “Três Setas Apontadas ao Futuro” (teatro – 1959), “Os Comedores de Fomes” (1983), “África Colonial” (1983).” “A Árvore e os Frutos” (1986).”

Acrescentemos ainda que em 1949, enquanto apoiante activo na campanha para a eleição presidencial do general Norton de Matos, foi preso pela polícia do Estado Novo, uma vez mais. Enquanto professor e como o magistério era tutelado pelo Ministério da Educação, viu-se proibido de exercer e teve que arranjar emprego numa empresa de publicidade, para sobreviver. Abriu uma livraria que encerraria pouco tempo depois, desempenhou funções como propagandista médico durante uma década, tornou-se editor comercial, jornalista… nunca menosprezando a sua maior competência, a de escritor. O que aliás fez até 1986, com a sua derradeira publicação, “A Árvore e os Frutos”.
É enquanto professor do ensino primário em zonas do interior, pobres e rurais, que tem o seu primeiro contacto marcante e determinante com as profundas assimetrias sociais que grassam no Portugal de então. A partir dessa nítida constatação, a macro intriga das suas obras está definida, denunciando sempre a problemática social da miséria e da exploração, da repressão e da opressão, numa linha condizente com o materialismo dialéctico.
“Falar do homem do campo, do trabalhador da terra e esquecer as suas angústias inconfessadas, seus músculos doridos, seu olhar triste – da tristeza horrível que nada aguarda, nada!

– parece-me feio embuste”, assim o entende o consagrado crítico Alexandre Pinheiro Torres acerca da obra “comprometida” de Afonso Ribeiro, que nunca deixou de trilhar esta via, a mais incómoda, convenhamos, mas também a única coerente com os seus princípios e com o seu ideário político.
Sobre o escritor e aquando da publicação do romance ‘Trampolim’ (1944), a revista ‘Ocidente’ apresentava a seguinte crítica, “Afonso Ribeiro possui o dom de ferir a nota justa, de surpreender o facto essencial, de o fixar e transmitir, com emoção, ao leitor.”
Referia o Diário de Notícias, “Um livro para ser lido e meditado e que coloca o autor entre os nossos melhores romancistas modernos.”.
Escrevia O Comércio do Porto, “Prosador fluente, vibrante, expressivo e colorista; sensibilidade apurada, penetrante e inteligente espírito de observação; forte poder de efabulador; arguto sentido psicológico – em Afonso Ribeiro, pois, reúnem-se as indispensáveis faculdades, como as apontadas, para o triunfo de um romancista…”
O crítico Ramos de Almeida constatava, “Afonso Ribeiro, o autor de dois dos romances de maior fôlego da Literatura Portuguesa – ‘Escada de Serviço’ e ‘O Pão da Vida’, 1º e 2º volumes da trilogia ‘Maria’ – é, com Alves Redol, o mais característico dos nossos romancistas neo-realistas.

Se há escritor moderno que com humildade tenha mergulhado na Humildade do Povo Português, esse escritor é Afonso Ribeiro. Só Ferreira de Castro o pode igualar nesse particular, que é um dos sintomas essenciais da sua honradez literária. Bastaria Afonso Ribeiro ter escrito ‘Aldeia’ para ficar na história da nossa Literatura.”
Pelo apontado e no entendimento de que um autor desta craveira faz parte do património cultural do seu território ademais o sendo do património cultural nacional, aqui se deixa aos estudantes universitários de Literatura Portuguesa um apelo: que considerem este autor, tão pouco estudado para o merecimento que tem, e lhe consagrem atenção, investigação e suas teses.

Se a autarquia de Moimenta da Beira já lhe consagrou um espaço próprio na sua terra natal, Vila da Rua, o que foi um primeiro passo significativo na revisitação do escritor, deixamos ainda uma sugestão: que instituam o Prémio Afonso Ribeiro, convidando estudiosos à sua apreciação e recensão crítica. Mais, que em parceria com editoras nacionais, patrocinem a reedição das suas obras e, através de colóquios literários sobre ele e a sua obra virem os holofotes, para maior visibilidade dos potenciais leitores.
Lembremos que a maior homenagem que se pode fazer a um escritor reside na leitura das suas obras. Enquanto estas não forem reeditadas, os leitores encontrarão algumas (escassas) através da Bertrand, por exemplo, e as outras, fruto de empenhada procura… por aí, em alfarrabistas diversos.

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