Aquilino Ribeiro

“Alcança quem não cansa” – II Parte

1932 é o ano do regresso de Aquilino a Portugal. O ano seguinte, o do início do Estado Novo, traz-lhe reconhecimento literário com o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa.
Até final desta década de 30 é profusa a sua produção literária com mais de três dezenas de títulos publicados.
O ano de 1940 traz-lhe mais um duro revés. A morte de sua mãe, Mariana do Rosário, em Soutosa, com 94 anos. É conhecido o amor que Aquilino lhe consagrava. Dedica-lhe a obra “O Livro do Menino Deus” (1945) em cujo frontispício lavra, em jeito de homenagem:

“À memória de minha Mãe, humilde, boa e religiosa sem ser pelo interesse de ganhar o Céu.”
Em julho de 1948 o general Norton de Matos apresenta a sua candidatura à Presidência da República. Aquilino é um dos seus apoiantes. Esta candidatura tem como opositor todo o regime vigente e à cabeça o marechal Óscar Carmona, que dela sai controverso e contestado vencedor.
É curioso recordarmos as palavras de Mário de Figueiredo, da União Nacional, ultraconservador e amigo de Salazar, que atribuiu a vitória de Carmona “ao medo do povo em voltar à perseguição religiosa e à desordem anterior a

1926”, fazendo crer que eram essas as linhas fundamentais a candidatura de Norton de Matos e os seus apoiantes.
Em 1950 vêmo-lo mais retirado em Soutosa, por Aquilino considerada a sua “casa da escrita”. Aí recebe os amigos de Viseu, Cristovão Moreira de Figueiredo, Arnaldo Malho, Gilberto de Carvalho e outros, e os de Lisboa, desde José Gomes Ferreira, Leite de Vasconcelos, Jaime Cortesão, Carlos Olavo, Fernando Lopes Graça, a família de Keil do Amaral e muitos mais.

Em 1952 viaja ao Brasil onde é alvo de uma recepção triunfal por parte de toda a academia brasileira e pelo próprio governo, que o agracia com a Comenda do Cruzeiro do Sul.
Em 1953 publica mais uma obra polémica “Príncipes de Portugal. Suas grandezas e misérias”, editado por Livros do Brasil. É uma das suas raras falhas na fidelidade à editora Bertrand.
Esta sua visão da História de Portugal desencadeará, da parte do vigente e bolorento “establishment” duríssimas críticas.

Com elas bem pode Aquilino as quais, com o vigor da sua escrita, sua acutilante arma, não deixará sem cabal e veemente resposta.
Escritor consagrado, não esquece o jornalismo e não deixa de publicar as suas dezenas de crónicas em revistas e jornais portugueses, como, por exemplo, “O Século”.
Em 1956, a Sociedade Portuguesa de Escritores elege-o como seu presidente e sócio número 1. É neste ano que a Bertrand, em reconhecimento, inicia a publicação das suas “Obras Completas”.
Em 1958 é eleito sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa.
Neste ano, Aquilino, que aderira ao MUD (Movimento de Unidade Democrática), apoia a candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República.
É o ano da publicação de “Quando os Lobos Uivam”, que mal sai é retirado de circulação pela Censura que, ainda assim, não consegue evitar a venda de milhares de livros.
1959 é ano de mais agruras. É-lhe instaurado um processo judicial pela publicação do livro atrás referido, por alegados insultos à Justiça, à polícia do Estado e ao próprio Estado.
Constituído arguido aos 75 anos, vê-se compelido ao pagamento de uma onerosa caução para evitar ser uma vez mais preso. Ergue-se um coro indignado de sonantes nomes da intelectualidade europeia, como, por exemplo, François Mauriac, que denunciam a situação e proferem pesadas críticas ao governo de Oliveira Salazar. Aquilino escreve, a este propósito, com publicação no Brasil – naturalmente – “Quando os lobos julgam, a Justiça uiva”.

Em 1960 o seu nome é proposto ao Prémio Nobel da Academia das Ciências da Suécia.
Em 1963, às 12 horas e 30 minutos do dia 27 de Maio, Aquilino falece em Lisboa, no hospital da CUF.
Em 19 de Setembro de 2007, por proposta do Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, os seus restos mortais são trasladados para o Panteão Nacional, onde para sempre ficarão junto dos Heróis da Pátria.
É presidente da República Aníbal Cavaco Silva e primeiro-ministro José Sócrates. Tive a honra de estar presente nesta cerimónia que congregou a família do escritor, todos os membros do Governo, políticos e renomados nomes da intelectualidade nacional.
Em jeito de balanço final cumpre dizer que toda a vida de Aquilino Ribeiro se pautou por uma íntegra coerência e uma intransigente coesão com os seus determinantes princípios de liberdade e de fraternidade. Deles não se afastou um milímetro e a nenhum facilitismo ou comodidade por eles cedeu.
“Reviralhista” convicto, esteve sempre do outro lado barricada em luta pelos seus inabaláveis ideais. Penificou por eles, arrostou com três exílios, com duas prisões, com processos judiciais que, todos juntos, lhe trouxeram agruras e dificuldades plurais e profundas.
Genial escritor, da caneta fez enxada de uma vida e dos muitos milhares de páginas que nos legou ressumbra não só o seu vitalismo, como a saga das suas gentes e a epopeia de um território ao qual deu nome de “Terras do Demo”.

Setembro 1948. Homenagem na Lapa ao Pe. Francisco Ferreira, organizada por Aquilino. Antigos alunos do Colégio

“De pena na mão procuro ser independente, original, inteiriço como um bárbaro”, indómito, assim se caracterizava.
Sobre as razões de ser do escritor, escreveu Aquilino:
“Nunca soube o que era servidão aos preconceitos, ao poder, às classes, nem mesmo ao gosto do público. Se pequei, pequei por conta própria, exclusivamente. Em todos os meus livros, se pode verificar mais ou menos esta rebeldia de carácter, desde as Terras do Demo ao Quando os Lobos Uivam. (…) apenas cumpri o dever contraído para comigo mesmo desde que aprendi a pensar. Estive também na primeira linha da barricada. O homem de letras é um interventor no mundo,

não deixando por isso de fazer arte. O romance naturalmente esposará a causa do povo … “
No fim da sua vida faz o balanço final: “Passei a vida dobrado sobre a banca de escritor e só há pouco dei conta que estava velho.”
“Alcança quem não cansa” foi o lema de sua vida e seu exigente e íntegro ex-libris… Se todo o Portugal de Aquilino se orgulha, Moimenta da Beira, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva – as Terras do Demo com suas gentes – muitos e sentidos preitos lhe têm consagrado.

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