Crise e migrações

As migrações são uma das respostas possíveis à desigualdade. Mas não são uma resposta automática nem sistemática. As desigualdades criam um potencial migratório. Porém, a transformação do potencial em migração de facto depende de acontecimentos críticos que removam os vários obstáculos à mobilidade.
Entre os acontecimentos críticos habitualmente associados às migrações estão as crises, sejam elas políticas, económicas ou sociais. Porém, a relação entre crise e migrações é mais complexa do que parece à primeira vista. Por exemplo, o 25 de Abril, enquanto rutura com o Estado Novo, desencadeou uma enorme migração das então colónias para a metrópole, dos “retornados”, porque foi vivido, pelos colonos, como incremento insustentável de insegurança. Ao mesmo tempo, contribuiu para acentuar a redução da emigração portuguesa para a Europa porque criou expetativas de mudanças profundas na sociedade portuguesa. Os portugueses não emigravam em massa para a Europa no final dos anos 60 e inícios dos 70 apenas para fugir à pobreza, à guerra e à opressão, mas também porque não tinham qualquer expetativa de mudança em Portugal.
As variações da emigração portuguesa ao longo das duas primeiras décadas do século XXI estiveram sempre associadas a crises.

No caso das crises globais, simétricas, isto é, em que todas as sociedades experimentam problemas semelhantes, as migrações tendem a reduzir-se. Foi o que aconteceu na crise financeira de 2007 e na crise pandémica de 2020. Em ambos os casos as migrações mundiais foram parcialmente interrompidas e a emigração portuguesa acompanhou esta tendência. Pode ser contraintuitivo, mas na crise financeira de 2007 a emigração portuguesa não aumentou, como muitas vezes se ouve dizer, mas diminuiu. Porquê? Porque se a situação em Portugal era crítica, era também crítica nos potenciais países de destino. Num certo sentido, o potencial migratório ficou sem destinos que possibilitassem a sua concretização. Já a crise das dívidas soberanas, de 2010, foi profundamente assimétrica: enquanto os países do sul da Europa estavam em crise, os países do norte da Europa retomavam o seu crescimento, ultrapassada a crise financeira de 2007. A assimetria funcionou como facilitador da emigração: agora, as populações dos países afetados pela crise tinham destinos migratórios viáveis. Por isso, o período de maior crescimento da emigração portuguesa foi durante o pico da crise das dívidas soberanas, entre 2010 e 2013. Neste último ano saíram de Portugal mais de 120 mil pessoas, número que lembra a emigração em massa antes do 25 de Abril.

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