Maria Simões

Estudou Psicologia (Coimbra e Açores) e frequentou o Master em Criatividade e Inovação (Santiago de Compostela, Galiza). Recebeu Prémios em teatro (labjovem – teatro), em cinema documentário (“Primeiro Olhar” Viana do Castelo, selecção DocLisboa e Curtas de Vila do Conde) e 3 Bolsas de Criação Artística (dramaturgia) pelo Governo dos Açores. Chama-se a si própria brincóloga ou multiartista. É palhaça, encenadora, atriz, educadora e activista cultural. Iniciou a sua viagem teatral em 1989, em Aveiro e trabalha profissionalmente, desde 1994 nas artes de palco. Navega no teatro, cinema, clown, dramaturgia e música. Plantadora de árvores e de sorrisos, é voluntária em organizações e projectos de intervenção social e comunitária. Acredita que as artes podem mudar o mundo. Junto com outras ARTivistas, fundou a Descalças cooperativa
cultural, em 2006 nos Açores e aí residiu durante 10 anos. Foi também aí que aprendeu a chamar à justiça “igualdade de género”. Cresceu no feminismo pela mão da UMAR-Açores. Colaborou com a Marcha Mundial de Mulheres. Viajou um ano pela América
do Sul enquanto voluntária, educadora, palhaça, artista. Adoptou uma burra idosa, é criadora do Bosque-Escola Avelãs e fundadora da União de Palhaças em Portugal.
Viajou por muitos países e crê que se faz melhor pessoa em cada viagem.

Como nasceu a paixão pelo teatro e o mundo das artes?

Eu comecei a fazer teatro na escola, no 7º ano, num grupo de teatro em época ainda anterior ao que depois se chamou Oficina de Expressão Dramática. Na altura era uma opção gratuita e facultativa que existia na escola. Encontrei ali um espaço de liberdade, de experimentação e expressão de sentimentos e emoções, de pensamento, de aceitação das outras pessoas com todas as diferenças. Senti que a minha cabeça se abria ao conectar com o mundo artístico e formei grande parte da minha personalidade ao mesmo tempo que me fazia atriz.
No 12º ano, tive as minhas primeiras experiências de encenação, a primeira como formadora e guia de grupos de gente mais jovem. O bichinho estava cá! Depois, na universidade entrei no CITAC e tive uma das mais importantes formações artísticas profissionais neste grupo. Ao mesmo tempo, começava a fazer teatro com uma companhia de teatro profissional. Os projetos foram-se sucedendo naturalmente ao mesmo tempo que fazia o curso de psicologia (para sempre incompleto). O Trigo Limpo teatro ACERT foi, finalmente, a minha escola maior no teatro e no associativismo cultural, atuando no interior do país para todo o mundo.

“Navega no teatro, cinema, clown, dramaturgia e música”. Em qual destes papéis se sente mais feliz e realizada?

Sem dúvida que o trabalho como palhaça é o que me dá mais felicidade e acho que, por isso, a ele tenho dedicado a maior parte da minha vida, nos últimos anos. Mas também acho que não conseguiria dedicar-me só a essa arte já que me sinto como água ao navegar na multidisciplinariedade e disfruto verdadeiramente de tocar vários instrumentos. Acho que, com toda a prática artística, o que mais tenho vindo a desenvolver é mesmo a criatividade e essa é uma ferramenta que aplico no dia-a-dia, em qualquer campo de ação e de forma voluntária ou profissional.
Sou apaixonada por gargalhadas, gosto mesmo de ver as pessoas rir, especialmente se não têm dentes. E gosto muito de olhar as pessoas nos olhos. Fico feliz só com isso! O trabalho como palhaça dá-nos um retorno imediato por parte do público, é muito direto.

O que é o Bosque-Escola Avelãs?

É um jardim de infância totalmente ao ar livre. Um projeto que criei juntamente com 2 famílias (e com 2 crianças) em 2017 e que acolhia, no início, crianças entre os 3 e os 5 anos. Hoje em dia, tem cerca de 15 crianças entre os 3 e os 10 anos. Começou por funcionar na casa/quinta onde eu vivia, nessa altura, e depois mudámo-nos para a Quinta das Avelãs – um espaço que pertence à Câmara Municipal de Marvão e que é gerido pela Descalças cooperativa cultural – onde está ainda hoje.

Olhando para o seu vasto curriculum são inúmeros projetos e iniciativas que lançou ao longo dos anos, com uma forte envolvência em movimentos de defesa dos mais vulneráveis. A primeira pergunta é como consegue ter tempo para tantas ações e a segunda o porquê deste envolvimento permanente (e voluntário) na defesa de causas sociais?

Quando fazemos aquilo que amamos, o tempo não existe! Eu acredito que o mundo pode ser um lugar melhor e mais justo. Para isso, eu tenho que trabalhar também todos os dias. Não descanso dessa tarefa, porque quem faz do mundo um lugar pior também não descansa.
Mas durmo muito bem e profundamente. Pratico ioga, gosto de nadar e de fazer caminhadas. Adoro trabalhar com as minhas próprias mãos, seja a cortar silvas, seja a fazer crochet, carpintaria, ou a desenhar.

Durante a pandemia criou a marca “Maria d’Alegria”. Como surgiu a ideia e com que propósito?

Maria d’Alegria era o nome da bisavó do meu bisavô Olegário. Quando, já sendo palhaça, descobri isso, encontrei mais uma forte razão para a existência do meu projeto social: tinha um nome que lhe encaixava que nem uma luva e justificava o seu lugar de nascimento (Castelo de Vide). Daí o logotipo desta marca ser o nariz de palhaça num coração. Trabalho com amor e humor. A marca Maria d’Alegria é então o selo de tudo o que é a minha criação artística e também o trabalho social que desenvolvo, estando aí incluídas algumas práticas, projetos e metodologias originais.

Fale-nos um pouco de um dos seus espetáculos “Amigo Amiga”, qual é o conceito, como se desenrola e como tem corrido a digressão pelas escolas.

O Amigo Amiga é um espetáculo sobre a amizade, sobre a procura de amigos nos lugares onde eles não existem. A palhaça chega ao palco/lugar de ação e procura amigos, amigas. Bate a várias portas e não encontra nunca. Até que, procurando no meio do público, em caixas que são casas com portas e janelas, uma criança aceita vir com ela para o palco. É o seu amigo.
Nos meus espetáculos para a infância há sempre uma partilha do palco com uma criança, normalmente uma menina – porque lhes quero dar voz – e neste, escolho normalmente, propositadamente um rapaz. Tem sido muito bonito cada espetáculo já que grande parte dele é feito da improvisação e do jogo com essa criança que sobe ao palco comigo, com quem finalmente estabelecemos o que é a amizade e com quem crio o compromisso de “amanhã, ou outro dia, vamos voltar a encontrar-nos e brincaremos de novo! Vou lembrar-me de ti!”
É um espetáculo de montagem muito simples e que pode acontecer, de surpresa, até dentro de uma sala de aula.

O que é faz uma palhaça ao domicílio?

A palhaça visita pessoas que pedem a sua visita. Ou pessoas que recebem a sua visita a pedido de algum familiar distante. Essas visitas podem ser regulares, (maior ou menos regularidade) ou pontuais, únicas.
No meu projeto “O riso à porta” visito regularmente pessoas que estão identificadas como seniores ou adultas com deficiência ou doença mental vivendo em isolamento social. Fazem parte do grupo de seniores identificados pela GNR no Censos Sénior, em cada ano.
A palhaça leva alegria, jogos, música, risos e ajuda a pessoa a sair – pelo menos durante aquele tempo – do ciclo em que se encontra. Combatemos a solidão e o isolamento social, mas também colaboramos para a redução da depressão, da ansiedade, do stress e sabemos que a longo prazo, estas visitas têm benefícios terapêuticos que podem estar associados à diminuição do uso de fármacos, ao aumento do bem-estar, à redução de riscos de suicídio, ao aumento da auto-estima e à criação de novos laços emocionais, afetivos e sociais.

É possível viver só das artes performativas em Portugal?

Claro que sim! Faço isso há mais de 20 anos. É fácil? Não. Para alguns será. Para mim, tem sido uma montanha russa! Umas vezes justo financeiramente, outra nada justo. Tem sido um caminho de alegrias e frustrações, de confronto com enormes injustiças, de muita invisibilidade, de pouco reconhecimento público, mas de muita alegria no contacto humano, de muitos encontros e aprendizagens.

A Maria é uma pessoa normalmente alegre ou triste? A síndrome do palhaço triste sempre existe?

Sou normalmente alegre. E, ao mesmo tempo, intensa na tristeza. Sou muito sensível e empática. Treino com afinco, diariamente, uma outra característica fundamental ao meu trabalho social – a ecpatia, um conceito relativamente novo que convido toda a gente a estudar.
Um querido psicólogo português, Luís Miguel Neto, especialista em psicologia positiva, dizia-nos que não está reconhecida pela ciência essa síndrome do palhaço triste e que “os humoristas são uns “autênticos trabalhadores” com a capacidade de desconstruir a realidade e criar um universo alternativo. Esta ideia de que a pessoa que faz humor, o palhaço, é necessariamente um ser humano triste está a ser progressivamente cada vez mais desmentida.”

O projeto “Clown social”, em que visitam instituições como lares e residências onde vivem pessoas idosas tem algum apoio financeiro? Como conseguem manter as ações de voluntariado?

Neste momento, temos em cursos vários programas que procuram cooperar para a sustentabilidade do nosso projeto social no seu todo. Este não se resume apenas ao clown social, nem às visitas a lares e residências. Temos também a organização do Bolina – festival internacional de palhaças, a parceria com o Bosque Escola Avelãs, e com as Descalças, com a APPACDM (trabalhando regularmente com pessoas com doença mental e com deficiência mental), entre muitas outras colaborações.
Atualmente, tenho ainda a decorrer um financiamento europeu para a criação do próprio emprego que me está a permitir ter salário. Assim, tem sido possível fazer tanto trabalho não remunerado. Não é voluntário. É não-remunerado, como voluntariado profissional 😉 . Para além deste financiamento, há outras duas formas muito importantes: Guardo sempre uma percentagem de 10% da venda dos espetáculos e de outras prestações de serviços para o projeto social. E, para as visitas palhaças, revertem 100% dos valores angariados com as vendas da nossa loja online – por exemplo, com as bolsas Maria d’Alegria (que são bolsas em tecido com aplicação de crochet feito pelas senhoras velhotas que visitamos). Por outro lado, temos contado isso sim, também com a colaboração de pessoas numa vasta equipa que inclui estágios profissionais com apoios do IEFP, voluntariado internacional (com o corpo europeu de solidariedade), outros tipos de voluntariado e as pessoas amigas e parcerias que nos apoiam sem pestanejar porque acreditam naquilo que fazemos e na forma como fazemos.

Prefere atuar para um público mais novo ou mais idoso?

Gosto mais do público sénior, na relação 1 para 1. Mas gosto de plateias com público de muitas idades

É uma das artistas colaboradoras da Miratecarts e regular no programa Azores Fringe Festival. Como é que esta entidade tem contribuído para a evolução da sua vida no setor artístico?

Eu sinto-me honrada de ser parte, desde a primeira edição, do festival que mais tem programado ao longo dos anos nos Açores. Um Festival que acontece em todas as ilhas e que baseia a sua actividade em inúmeras colaborações e numa infindável rede de artistas e parcerias estabelecidas.
Um festival que faz programação cultural de outra forma, que cuida relações, que é extraordinariamente horizontal e transversal. Que é para todas as pessoas, realmente. E sinto que neste festival tenho tido oportunidade para criar coisas novas, para experimentar, para estar em residência, para colaborar com a comunidade local, para ser desafiada e me desafiar. Tenho espaço e voz. No meio artístico, e muitas vezes na programação cultural, estes dons escasseiam.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Sejamos felizes, por favor!


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