Mulheres embaixadoras? Foi preciso uma revolução

Lourdes Pintasilgo, primeira mulher embaixadora de Portugal e a primeira na Unesco (1975-1979/1981)

Ainda nem um mês tinha passado sobre a revolução de 25 de Abril de 1974 quando a igualdade entre homens e mulheres chega à diplomacia portuguesa. A decisão de deixar de excluir as mulheres do acesso à carreira diplomática é tomada no conselho de ministros de 22 de maio, por motivos de equidade e justiça. A 6 de julho, a decisão do I Governo Provisório é consagrada num decreto-lei, no qual o sexo dos candidatos ao serviço diplomático está pela primeira vez ausente. Até então, apenas os cidadãos portugueses homens se podiam candidatar. Um ano após a revolução e o fim da discriminação legal do sexo feminino na diplomacia, cinco mulheres tomam finalmente posse como adidas de embaixada: Ana Martinho, Ana Barata, Maria Dinah Neves, Maria Isabel Pádua e Vera Fernandes. Foi a 11 de agosto de 1975, uma segunda-feira.
Na sexta-feira anterior, acontecera algo ainda mais invulgar: uma mulher tomara posse como embaixadora dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo (1930-2004) entrara diretamente para o topo. Tinha 45 anos e um currículo de exceção. Engenheira química de formação, liderara o Departamento de Estudos e Projetos do maior grupo industrial da Península Ibérica e um dos maiores conglomerados químicos da Europa: a Companhia União Fabril (CUF). Em paralelo, tinha uma grande experiência de liderança em organizações de natureza social e eclesial, com uma forte componente internacional, às quais decidira, há já alguns anos, dedicar-se a tempo inteiro. Após ter sido presidente da Juventude Universitária Católica Feminina, tornara-se dirigente da Pax Romana – Movimento Internacional de Estudantes Católicos, e do Graal. Fizera, igualmente, parte de delegações de Portugal à Organização das Nações Unidas, ainda antes da revolução. Imediatamente depois da queda da ditadura, tornou-se secretária de Estado da Segurança Social do I Governo Provisório (1974), Ministra dos Assuntos Sociais dos II e III Governos Provisórios (1974-1975), e presidente da Comissão que mais tarde virá a ser conhecida por Comissão da Condição Feminina.
Como embaixadora, foi reabrir a Delegação Permanente de Portugal na UNESCO, em Paris, de onde Portugal se tinha retirado uns anos antes para evitar ser expulso, devido à recusa da ditadura em fazer a descolonização dos seus territórios ultramarinos. Intelectualmente brilhante e com um perfil interdisciplinar, a embaixadora da nova democracia portuguesa consegue granjear um grande prestígio entre os seus pares, nessa agência das Nações Unidas. Tanto que é eleita, logo na Conferência de Nairobi, em 1976, para o Comité Executivo da UNESCO, com o maior número de votos do grupo europeu ocidental e o segundo maior no total dos 25 membros.

Raquel Ferreira é a segunda mulher embaixadora de Portugal e a primeira em Estocolmo (1988-1992) e em Tóquio (1993)

O convite do Presidente Ramalho Eanes para chefiar o V governo Constitucional (1979-1980), até à realização de novas eleições legislativas, veio suspender a sua missão na Representação Permanente de Portugal na UNESCO, em Paris. De primeira mulher embaixadora, torna-se a primeira mulher primeira-ministra da República Portuguesa. Concluído este último capítulo, já não regressaria ao seu posto diplomático em Paris. Assim o entendeu o novo governo. Não obstante, como a exoneração (tal como a nomeação) dos embaixadores é uma prerrogativa constitucional não do governo, mas do Presidente da República, Pintasilgo acaba por só ser exonerada, a seu pedido, em 1981.
Será preciso esperar por 1988 para uma segunda mulher ser nomeada embaixadora de Portugal, desta feita pelo Presidente Mário Soares. Trata-se de Maria Raquel Lopes de Bethencourt Ferreira, licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Quando é nomeada embaixadora de Portugal em Estocolmo, Raquel Ferreira tem 50 anos e uma experiência considerável em diplomacia multilateral. Após um período inicial como advogada e chefe do Serviço de Contencioso da TAP, trabalhou entre 1965 e 1969 em Genebra, na Delegação Permanente de Portugal junto da Associação de Comércio Livre (EFTA) e do Acordo Geral sobre o Comércio de Tarifas (GATT). Na fase final da sua missão, entre 1967 e 1969, exerceu as funções de Representante Permanente Adjunta. Apesar de «exercer funções de» não ser a mesma coisa de ser oficialmente nomeada como tal (para isso teria de ser diplomata, o que era uma impossibilidade legal na década de 1960 do século XX em Portugal), o facto é, em si, assaz invulgar. A ligação de Ferreira ao multilateralismo, em especial à sua vertente europeia, antes e depois do 25 de Abril, acentuar-se-á ao ser nomeada Diretora do Serviço de Relações com as Comunidades Europeias na Comissão Interministerial da Cooperação Económica Externa (1970-1975). Após um período como Subdiretora-Geral do Comércio Externo (1975-1978), torna-se Diretora Geral do Secretariado para a Integração Europeia (1978-1980) e, em 1979, vice-presidente da Comissão para a Integração Europeia. Antes de ser nomeada embaixadora, ainda passará pelo governo, como Secretária de Estado do Comércio Externo do IX Governo Constitucional (1983-1985). Curiosamente, apesar da sua experiência considerável, e pioneira, na esfera multilateral, com especial ênfase no processo de integração europeia, é na área bilateral que irá trabalhar quando, finalmente, for nomeada embaixadora. Entre 1988 e 1992, é embaixadora de Portugal em Estocolmo e, em 1993, embaixadora em Tóquio.

Maria do Carmo Allegro Magalhães completa o trio pioneiro de mulheres embaixadoras de Portugal, sendo a primeira das jovens adidas pós-revolução a chefiar uma embaixada.
É a primeira em Windhoek (1998-2002), em Liubliana (2005-2012) e em Belgrado (2012)

Entretanto, as jovens adidas de embaixada do primeiro concurso de acesso à carreira diplomática aberto após a revolução, entradas em 1975 e, numa segunda leva, em 1976, estavam a atingir a posição na carreira que lhes permitia serem escolhidas para chefiar uma embaixada, mesmo antes de serem embaixadoras full rank: ministra plenipotenciária. Caberá a Maria do Carmo de Sousa Pinto Allegro de Magalhães completar o trio pioneiro de mulheres embaixadoras de Portugal. Tinha acabado de fazer 50 anos quando, em 26 de janeiro de 1998, é nomeada pelo Presidente Jorge Sampaio chefe de missão da Embaixada de Portugal em Windhoek, com credenciais de embaixadora. Era então ministra plenipotenciária de 2ª classe. Nascida no Porto, estudara Filologia Germânica, nas Universidades de Lisboa e Coimbra, tendo entrado na carreira em 1976. Na sua primeira comissão de serviço no estrangeiro, em 1978, trabalhara com Maria de Lourdes Pintasilgo na Delegação de Portugal na Unesco, onde mais tarde viria a ser colocada por um período maior. Antes de chegar à Namíbia como chefe de missão, tinha tido já duas colocações em postos bilaterais, nas embaixadas em Paris e em Madrid, além de ter desempenhado funções de chefia na sede do MNE, em Lisboa. Embaixadora de Portugal em Windhoek entre 1998 e 2002, virá ainda a ser novamente nomeada embaixadora, primeiro em Liubliana (2005-2012) e depois em Belgrado (2012). Pelo meio, fora Secretária Geral Adjunta do MNE, em Lisboa (2002-2005). Curiosamente, a sua primeira missão ao estrangeiro em 1978, ainda como terceira-secretária de embaixada, tinha sido junto da primeira embaixadora de Portugal, Maria de Lourdes Pintasilgo, que confessou ter sido a sua mestra na diplomacia.
Nenhuma das três primeiras embaixadoras de Portugal, nem mesmo a única diplomata de carreira, era embaixadora full-rank. Seria preciso chegar a 2005 para que as primeiras duas mulheres da geração da revolução atingissem o topo da carreira: Ana Martinho e Margarida Figueiredo. Tal não impediu que o impacto das mulheres na diplomacia da novel democracia portuguesa começasse a fazer-se sentir, desde a primeira hora, nas relações externas de Portugal, quer a nível bilateral quer a nível multilateral, como noutra ocasião demonstramos (cf. «Diplomacia multilateral no feminino: a geração da revolução»). Algumas delas, invisíveis durante a ditadura, estavam já especialmente bem preparadas para o fazer. A outras foi dada a possibilidade de ir aprendendo o ofício desde os primeiros passos da carreira, antes um exclusivo dos homens. Foi preciso uma revolução para que este trio pioneiro de mulheres pudessem ser embaixadoras de Portugal. Muitas mais se seguiriam.

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