Um diplomata no país almirante da língua portuguesa

Embaixador Luís Faro Ramos | © Vanda de Mello e Alma Ang

Aterrei em Brasília no dia 10 de dezembro de 2020, um dia importante no calendário internacional – celebra-se o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos – e também um dia muito importante para mim, pois iniciei aí as minhas funções de embaixador de Portugal no Brasil.
Para trás, no imediato, ficavam três anos intensos e ricos como Presidente do Instituto Camões. Ainda mais para trás, mas bem presentes no meu espírito, as funções de embaixador na Tunísia, entre 2012 e 2015, e em Cuba, entre 2015 e 2017.
Para a frente, um enorme desafio e a consciência de que tinha sido designado para ocupar as funções de representante do meu país num outro país que, por todas as razões, ocupa um lugar muito especial na Diplomacia portuguesa. E que é também ele próprio muito especial, país-continente com a sua dimensão impressionante e os seus 27 estados, e país-almirante da Língua Portuguesa com a sua população de cerca de 220 milhões de pessoas.
Já passaram três anos. O que eu teria para dizer sobre o Brasil que vivi e descobri até agora não caberia no espaço deste artigo, tantas foram as viagens, os encontros, as revelações, as aprendizagens. Por isso, aqui ficam as impressões possíveis, a traço largo.
As impressões de um diplomata no país-almirante da Língua Portuguesa.
Quando chefia uma missão diplomática, o embaixador deve estar preparado para desempenhar, essencialmente, atividade em quatro áreas principais: institucional, cultural, económica e consular. Os graus de importância e, em consequência, empenho e dedicação do embaixador em cada uma dessa áreas, variam conforme os países.
No Brasil acontece que todas as áreas são de importância idêntica. Não creio que isso suceda em muitos outros países com os quais o nosso se relaciona.
Por isso, desde o primeiro dia, fui confrontado com uma situação que me pedia uma de duas atitudes: ficar em Brasília gerindo do meu confortável gabinete o dia-a-dia do trabalho, ou meter-me literalmente a caminho para estar o mais perto possível das nossas comunidades e das autoridades dos diversos estados brasileiros.
Não hesitei um segundo pela segunda opção. Nestes três anos, visitei vinte estados, muitos deles mais do que uma vez. Estive com as nossas comunidades, com Governadores dos estados, com Prefeitos (os nossos Presidentes de Câmara), com empresários, entidades culturais, Câmaras de Comércio, Cátedras Camões em diversas universidades, alunos.
Tenho uma boa ideia do que são os diversos Brasis que compõem este país. E tenciono, até ao final do mandato, visitar os sete estados que me faltam.
Na área institucional, os destaques são muitos. Dezenas de visitas de altos funcionários e membros do Governo de Portugal ao Brasil e do Brasil a Portugal, uma Cimeira e um fórum económico realizados em Portugal, uma visita de Estado do Presidente brasileiro ao nosso país, e a assinatura de diversos instrumentos jurídicos que reforçam o nosso relacionamento em setores fundamentais para a vida dos cidadãos, como as cartas de condução, são um bom exemplo nesta área.
Na área cultural, pude testemunhar diversos eventos que trouxeram ao Brasil a importância da literatura portuguesa, presente ou passada, como o centenário do nascimento do único, até hoje, Nobel da Literatura em língua portuguesa José Saramago, a Bienal do Livro de São Paulo, onde Portugal foi país convidado de honra, e também uma efeméride que muito nos honra, os cem anos da primeira travessia aérea do Atlântico sul, pelos bravos navegadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Na área económica, acompanhei com grande satisfação o crescimento dos números do nosso comércio bilateral, e dos investimentos portugueses no Brasil e brasileiros em Portugal. Vi nascer uma nova Câmara de Comércio de Portugal – são já 19! – e vi os voos da TAP crescerem para números de antes da pandemia, sempre cheios, e contribuindo para uma cifra recorde de passageiros brasileiros desembarcando no nosso país.
Mas, no fundo, as pessoas é que contam. Por isso, parte essencial do meu trabalho é proporcionar aos nossos compatriotas o melhor atendimento possível, em coordenação com os diversos postos consulares existentes por todo o país. E também dar a conhecer, aos brasileiros, o Portugal de hoje, que alia tradição e modernidade e onde a língua comum, a segurança, a saúde e a educação são pilares fundamentais para a atração do acolhimento.
Tem sido um verdadeiro privilégio servir o meu país no Brasil. Um país a que tanto deve a língua portuguesa na sua riqueza atual e promessa futura.
Termino, a propósito do universo de mais de 260 milhões de pessoas em língua portuguesa, citando o grande pensador Eduardo Lourenço, que tão bem conheceu o Brasil e aqui viveu, e que disse que “A Língua Portuguesa é como uma mesma pele, queimada aqui e ali por sóis diferentes”.

Luís Faro Ramos Embaixador de Portugal no Brasil

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