Nacional 15

Uma estrada, um ponto de partida e um ponto de chegada, intercâmbio entre duas existências. Neste caso, falamos de dois mundos muito diferentes: Bragança, cidade raiana, situada no interior norte de Portugal, chamada, antigamente, de província de Trás-os-Montes e Alto Douro, com um cariz essencialmente agrícola e o Porto, no litoral norte de Portugal, correspondendo na mesma toponímica, à província do Douro Litoral, com um pendor industrial.
Eu sou uma habitante da estrada nacional número 15, pois, além da minha aldeia se situar nos arredores de Vila Real, que podemos considerar a metade entre os seus pontos, a minha casa de infância faz fronteira com esta via. Perdi neste local, o meu primeiro animal de estimação, por atropelamento, o Bobi.
Os meus pontos emocionais:
Bragança. A lembrança mais antiga que tenho desta cidade, é uma ida, com os meus pais, para ver Cavaco Silva, que estava a iniciar a sua carreira política, sendo mais tarde Primeiro-Ministro e Presidente da República de Portugal. Pontos de interesse: a cidadela, formando um coração, é uma construção única e encontra-se muito bem conservada; Domus Municipalis, a cisterna e ponto de reuniões dos responsáveis municipais, pensa-se que será uma construção do século XV; Museu Ibérico da Máscara e do Traje; a Rua Abílio Beça, chamada rua dos museus, onde podemos encontrar vários pontos de interesse como, por exemplo, Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, Centro de Fotografia Georges Dussaud, Museu de Abade Baçal; arte urbana – obras de BordaloII (Gineta, Camaleão e Javali). Não posso deixar de referir, as aldeias de Aveleda, Babe, Montesinho, Rio de Onor, locais que estão à parte do percurso mas devido ao seu potencial, ora gastronómico, ora cultural, merecem uma referência e fazem parte da minha preferência pessoal.
Podence. Não poderei esquecer a primeira vez que fui à barragem do Azibo, um lugar mágico, um espelho de água que sobressai no meio da paisagem, um projecto para regadio agrícola, mas que actualmente pertence à Reserva da Biosfera Transfronteiriça da Meseta Ibérica, com belíssimas praias fluviais e zonas de lazer onde podemos simplesmente desfrutar da natureza no seu pleno; outra lembrança, inesquecível, aconteceu nesta aldeia quando fui chocalhada pelos caretos e tomei consciência de uma tradição de milhares de anos que sai à rua nas festividades carnavalescas, Património Cultural Imaterial da Humanidade, rapazes que parecem ter o diabo no corpo, correm, saltam, dançam, perseguindo as raparigas solteiras.
Mirandela. Fiquei surpreendida com a mudança que ocorreu na localidade, pois a ideia que eu tinha de Mirandela, no início dos anos 80, quando a nacional 15 passava na sua ponte medieval, era um pequenino aglomerado de casinhas, encimado pelo Palácio dos Távoras, edifício que alberga, actualmente, a Câmara Municipal. Fiquei espantada com o seu crescimento quando voltei perto da viragem do milénio. A terra da alheira, o enchido que ganhou as 7 maravilhas da gastronomia portuguesa, elaborado à base de pão, alho, azeite e carne, entre outros ingredientes. Prato que eu aprecio muito com grelos e batatas cozidas. Cidade com uma paisagem magnífica, com o seu lago e o repuxo, que se torna mais surpreendente à noite com a sua iluminação colorida. Cidade onde vivo e trabalho, é espantoso ver as centenas de tulipas nos seus jardins na altura da primavera. Está mais enriquecida com o restauro da estação desactivada dos caminhos de ferro, a Estação das Artes, palco de actividades culturais, como ocorrem, igualmente, no Museu da Oliveira e do Azeite;
Venham descobrir a nova imagem que este edifício tem como estação das Artes
Murça. “As curvas de Murça”, as pessoas tinham tanto medo de as passar devido ao seu traçado, curva contra curva. Nos nossos dias faz parte do Campeonato de Portugal de Montanha e denomina-se Rampa Porca de Murça. Felizmente, só me lembro de ficar uma vez mal disposta a passar este troço.
Vila Real. A minha cidade de infância e adolescência. Local de paragem, pois, quem percorria os 244 quilómetros na sua totalidade aproveitava para saborear uma refeição e se possível descansar um pouco, pois de seguida a estrada iria percorrer a Serra do Marão, voltariam as curvas e contracurvas próprias de um percurso de serra. Estudei na escola de São Pedro e mais tarde na UTAD, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Com o desenvolvimento da universidade a cidade, também, se desenvolveu, esta ligação era usada por muitos estudantes ou para regressarem a casa ou para se deslocarem para o seu local de estudo, como acontecia comigo, usava a nacional 15 para vir de Sanguinhedo, a minha aldeia, para Vila real, onde se situavam as instituições de ensino. Parte deste trajecto, no interior da cidade, incorpora nos nossos dias o Circuito Internacional de Vila Real, onde se realiza a Taça do Mundo de Carros de Turismo da FIA. Não posso deixar de referir alguns locais que, embora não sejam atravessados pela EN 15, são essenciais para a capital de distrito, tais como; Museu da Vila Velha, Teatro de Vila Real, Palácio de Mateus, Conservatório Regional de Vila Real e o Parque Corgo.
Alto do Espinho. Neste ponto, no cimo da Serra do Marão, deixamos de ver a cidade de Vila Real e passamos para o outro lado, Amarante. Já Miguel Torga dizia que “para lá do Marão, mandam os que lá estão”. Antigamente, a estrada estava rodeada de pinheiros, infelizmente, devido a vários incêndios, o mais grave em 1985 foram dizimados. Outra referência muito importante na EN 15, perto deste ponto, é a Pousada do Marão, actualmente fechada, trata-se de um edifício muito elegante e enquadrado na paisagem, foi para muitos local de paragem, com o propósito de descansar, tomar uma refeição, pernoitar ou simplesmente conviver com os amigos. Para mim, local de muita brincadeira quando nevava e conseguíamos ir lá. É incrível constatar como o meio muda muito neste ponto, do lado de Vila Real pode estar um nevoeiro cerrado ou chuva e quando começamos a descer a Serra para Amarante podemos encontrar um sol lindo;
Padronelo. O pão favorito do meu pai, cozido a lenha. Tão bom, simplesmente com manteiga;
Amarante. A cidade da “ilha dos amores” e do São Gonçalo. Neste ponto a maior parte da viagem já estava passada e faltava a parte mais fácil. Era um alívio;
Penafiel. A lembrança que tenho desta cidade são unicamente o Jardim e o Santuário do Sameiro, locais que visitei com os meus pais e irmãos;
Os dois grandes marcos de saudade referente à EN 15, para mim, serão sempre dois: as viagens que fiz, no antigo Cabanelas, a rodoviária de Vila Real, para ir ao encontro dos meus irmãos mais velhos que trabalhavam no Porto. Para mim, uma criança que ainda não tinha uma dezena de anos, a descoberta de um mundo totalmente diferente do que estava habituada era fascinante. O Porto, a grande cidade, comparada com a aldeia onde vivia, Sanguinhedo, era um mar de pessoas, de prédios, de actividade… e o mar… A minha mãe sentava-me no primeiro banco do autocarro, atrás do condutor, a quem já tinha explicado a situação, e dizia-me: “só sais quando vires os teus irmãos.” Sempre será recordada a sorte que tive em conhecer esta dualidade: a calma da aldeia e o frenesim da cidade grande; e a vinda dos meus primos que estavam fora do país, pois, era por esta estrada que regressavam à sua terra natal para usufruírem das férias juntos dos familiares e amigos, aproveitando estes dias para celebrarem juntamente com a população da aldeia a festa da padroeira da terra, pedindo pela boa viagem e pelo ano que iriam ter antes de percorrerem novamente a estrada.
Foi esta estrada que me proporcionou adquirir estas recordações tão formadoras do ser que sou hoje. Continuo a gostar de percorrer, de carro, de autocarro, ou mesmo simplesmente a pé, «caminhos de alcatrão ou de terra batida» para descobrir algo que me fascine.

A autora não aderiu ao novo acordo ortográfico

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