Quem veste a pele do “lobo mau”?

Aquele que é amplamente reconhecido como um dos animais selvagens que mais perseguição sofreu por parte do homem, desde tempos idos e imemoriais, que as nossas reminiscências colectivas não conseguem alcançar, volta a ser alvo de novas e ferozes perseguições. Triste sina, a do lobo.
Apesar dos irrefutáveis avanços no conhecimento científico relativos à importância da biodiversidade, persiste uma espécie de trauma inscrito no ADN humano que nos coloca, não raras vezes, numa posição diametralmente oposta ao lobo, numa visão puramente egoísta relativamente à sã convivência entre espécies que interagem e habitam o mesmo planeta.
Diabolizado por crenças ancestrais e contos populares contados às “criancinhas”, de geração em geração, por histórias e filmes de lobisomens e por encenações teatrais, o lobo, sempre ostentou o arquétipo de besta selvagem, perante o qual, uma parte considerável dos humanos sente um misto de ódio e de medo, numa proporção desmedida e amplamente materializada na construção de enormes fojos em agrestes serras, nas férreas armadilhas encobertas pela folhagem ou nos laços de aço estrategicamente colocados nos trilhos da “besta”. Desde as batidas organizadas, no tempo em que eram permitidas por lei, até aos abates fortuitos cometidos na actualidade, o lobo, esteve sempre debaixo da mira do seu maior predador – o homem.
Assistimos hoje a uma forte pressão exercida sobre as zonas de presença das alcateias, ameaçadas por lanços de auto-estradas, parques eólicos, linhas de alta tensão, mineração a céu aberto, construção de barragens e ampliação de perímetros urbanos. Por outro lado, os ataques ao gado doméstico provocados pelos lobos têm desencadeado uma onda de indignação que pretende pressionar o poder político no sentido de existir um maior controle sobre o número de efectivos lupinos.

Em Portugal, apesar de ostentar o estatuto de espécie protegida desde 1990, numa iniciativa legislativa nacional adicional à Convenção de Berna, à CITES e à Directiva Habitats, o lobo-ibérico continua a ser alvo de várias investidas.
A elevada burocracia e as exigências quase impossíveis de cumprir, ditam a não compensação monetária aos agricultores que perdem os animais na sequência de ataques perpetrados pelos lobos. Urge aqui uma nova postura do Estado, no sentido de se compensarem devidamente os agricultores pelas perdas dos seus efectivos pecuários e de se criar um ambiente pacífico de coexistência entre o homem e o lobo. Importa ressalvar também a necessidade de um maior investimento dos agricultores na protecção dos seus pertences, aplicando para tal, os fundos de apoio à actividade agro-pecuária, atribuídos pelas autarquias, Estado e União Europeia.
O lobo é extremamente importante no equilíbrio ecológico do nosso ecossistema, em particular, no controle de javalis, cuja presença se transformou numa verdadeira praga. A sobrepopulação desta espécie tem provocado danos consideráveis nos lameiros e nos terrenos de cultivo. Os prejuízos causados pelos javalis serão seguramente maiores que os provocados pelos lobos. No entanto, o odioso dos humanos continua a recair sobre os lobos.

De que lhes serve a existência de uma legislação que lhes atribui o estatuto de espécie protegida e de que lhes serve a localização do seu habitat em regiões de protecção classificada, se a coberto de interesses incompreensíveis e injustificáveis inviabilizamos a sua existência?
Em 2022, por pressão do lóbi da caça, a Suécia autorizou o abate controlado de 75 lobos nas florestas de Gävleborg e Dalarna. Ali ao lado, a Noruega autorizou o abate de 51. São números preocupantes, quando o lobo-da-Escandinávia se encontra em perigo de extinção. Na Holanda, as autoridades consideram que os lobos estão a ficar demasiado dóceis, o que pode representar um grande perigo a longo prazo. Para evitar essas aproximações, o país propôs que se afastem aqueles animais com bolas de paintball. Todavia, esse plano, foi mais tarde chumbado pelo tribunal. A Suiça, registou, no ano passado, mais de um milhar de ataques mortais ao gado e, por isso, quer aliviar as restrições ao seu abate. Por outro lado, a presidente da Comissão Europeia, na sequência da morte do seu pónei de estimação, alegadamente, por um lobo, ordenou a reavaliação das regras que protegem os lobos na Europa.
Importa recordar que, em 2021, a Espanha, à semelhança dos vizinhos – França e Portugal – proibiu a caça ao lobo. Todavia, nestes países, têm aumentado os ataques de lobos aos animais domésticos, gerando alguma revolta entre os produtores pecuários, que não vêem os seus prejuízos ressarcidos pelas entidades competentes. Contudo, num volte-face inesperado, em 2022, no seguimento de vários ataques de lobos ao gado doméstico, o Governo da Comunidade Autónoma da Cantábria, autorizou o abate de 10 lobos.
Perante todas estas pressões exercidas em diversos países europeus, pergunta-se: – Quem veste a pelo do “lobo mau”?

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

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