Um Conselho feito para escutar, propor e agir

No Brasil, a ação dos conselheiros tem-se revelado vital. Em dezembro de 2024, realizou-se em São Paulo a reunião da Secção Brasil do CCP, com participação ativa de representantes de várias cidades. Nesta ocasião, discutiram-se desafios concretos como a modernização dos serviços consulares, os atrasos nos processos de nacionalidade, a atuação irregular de intermediários e a necessidade de fortalecer a comunicação institucional com a comunidade.
Estiveram presentes os seguintes conselheiros: Luiz Otávio Rei Monteiro (Belém), António Davide Santos da Graça (Curitiba e Porto Alegre), Célia Stamford Gaspar Amaral (Recife e Salvador), José Augusto Pinto Wahnon (Fortaleza), Flávio Alves Martins, Roselene Silva Pires de Boaventura e Orlando Cerveira Francisco (Rio de Janeiro), Teresa de Jesus Pires Morgado, António Carlos dos Santos Gomes, Beatriz Guedes Neves Pereira e Armandino Manuel de Oliveira Torrão (São Paulo), e José Duarte de Almeida Alves (Santos).
Durante os trabalhos da reunião da Secção Brasil do Conselho das Comunidades Portuguesas, um dos pontos mais sensíveis e repetidamente enfatizados foi a necessidade urgente de modernização dos serviços consulares no Brasil. As queixas não foram pontuais, foram consistentes, partilhadas por conselheiros de diferentes regiões e confirmadas por experiências vividas pelas próprias comunidades.
Entre os problemas mais recorrentes, destacou-se a escassez de agendamentos disponíveis. Muitos cidadãos esperam meses por uma simples vaga para tratar de documentação, renovar passaportes ou iniciar pedidos de nacionalidade. A esta morosidade soma-se a complexidade burocrática, que frequentemente desencoraja até os mais persistentes.
Outro ponto crítico é a demora excessiva na tramitação da nacionalidade portuguesa. Para muitos luso-descendentes, este é um processo carregado de significado pessoal e identitário, e vê-lo estagnado por meses ou até anos, sem resposta clara, representa um desgaste emocional e uma frustração profunda.
Mais grave ainda é a proliferação de intermediários que, explorando a ineficiência do sistema, oferecem serviços paralelos a troco de valores elevados. Estes “agentes”, muitas vezes sem qualquer vínculo oficial, cobram para garantir agendamentos que deviam ser gratuitos e acessíveis a todos os cidadãos. Este fenómeno não só fere o princípio da igualdade, como mina a confiança nos serviços públicos e coloca em causa a integridade do sistema consular.
Para os conselheiros presentes na reunião, esta situação é insustentável. Reforçaram a necessidade de investir em tecnologia, ampliar a capacidade de atendimento, formar pessoal com sensibilidade intercultural e garantir canais de comunicação claros com os utentes. Acreditam que a modernização dos consulados não é apenas uma questão administrativa, mas é uma exigência de justiça, de cidadania e de respeito por todos os portugueses e luso-descendentes que vivem no Brasil.
Num país de dimensões continentais como o Brasil, onde as comunidades portuguesas estão espalhadas por grandes distâncias, garantir um serviço consular eficaz e digno é também uma forma de manter Portugal vivo na vida das pessoas. É um gesto de proximidade institucional que fortalece o laço entre a pátria e os seus filhos além-mar.
Durante a reunião, a conselheira Célia Stamford, representante de Recife e Salvador, destacou com emoção o papel essencial das instituições históricas na preservação da identidade cultural. Referiu-se, em particular, ao Gabinete Português de Leitura do Recife, descrevendo-o como “um espaço de memória e de identidade que continua vivo graças à dedicação da comunidade luso-brasileira”. Sublinhou que este emblemático espaço é mais do que uma biblioteca: é um verdadeiro elo entre a cultura portuguesa e os membros da nossa comunidade, servindo também como ponto de encontro aberto a todos os recifenses. Ali, qualquer visitante pode conhecer, valorizar e sentir o contributo de Portugal para a história e a vida cultural da cidade.
Já o conselheiro José Wahnon, de Fortaleza, sugeriu a criação de materiais informativos sobre o papel do CCP, com o intuito de esclarecer a comunidade, aumentar a sua proximidade com o Conselho e fortalecer a sua identidade institucional.
Durante a reunião da Secção Brasil do Conselho das Comunidades Portuguesas, chamou a atenção a apresentação do projeto de um curso de História de Portugal voltado para lusodescendentes, idealizado pelo conselheiro António Carlos dos Santos Gomes. A proposta surge como resposta a uma necessidade cada vez mais sentida por associações, famílias e jovens da comunidade luso-brasileira: compreender, com profundidade e respeito, a história que une Portugal e Brasil, para além dos estereótipos e frases feitas aprendidas desde cedo nas escolas.
Quando eu ainda era miúda, não era preciso dizer muito, bastava saberem que eu era filha de português para surgirem as piadas disfarçadas de brincadeira. Ouvi mais vezes do que gostaria que “os portugueses vieram roubar o nosso ouro”, que “chegaram sem nada”, “fugidos da miséria”. Diziam essas coisas com a leveza de quem repete frases feitas, sem pensar no que carregam, e no quanto ferem.
Mas o que eu via em casa era bem diferente. Vi o meu pai como tantos outros a trabalhar com dignidade, a levantar a cabeça todos os dias num país novo, com uma língua que lhe era familiar e, ao mesmo tempo, estranha. Vi um homem que saiu da sua terra não por vergonha, mas por coragem. Porque queria mais para os seus. Porque acreditava que era possível começar de novo.
E é por isso que hoje, como conselheira das comunidades portuguesas, me recuso a aceitar que se continue a olhar para a emigração portuguesa com desdém ou condescendência. É preciso contar a outra parte da história: a que fala da língua partilhada, do património que se entrelaça, das famílias que se misturam, das mãos que constroem, dos saberes que circulam. É preciso resgatar com verdade, empatia e coragem a memória dos que partiram para que os que ficaram e os que vieram depois saibam que há muito de digno e bonito nessa travessia.
Portugal e Brasil não são apenas dois países com uma história comum. São duas pátrias afetivas que vivem dentro de milhões de pessoas. E os jovens luso-brasileiros têm o direito de sentir orgulho em pertencer a ambas. Têm o direito de saber que não precisam escolher entre uma ou outra, porque ambas lhes pertencem, e ambas são feitas deles também.
É por isso que os conselheiros são tão importantes. Porque estamos no terreno, junto das pessoas, a ouvir as suas histórias, a defender a sua dignidade, a quebrar estigmas com presença e afeto. Porque somos a memória viva de um povo que, mesmo longe, nunca deixou de ser português, e que, mesmo em terra nova, ajudou a construir um Brasil mais plural, mais rico e mais humano.
Mario Francisco da Costa Ferreira
5 dias agoCara conselheira,
Gostei do artigo. A tua paixão por Portugal é expressa de forma tão eloquente. É uma honra conhecê-la. Obrigado por o ter partilhado. Espero poder colaborar em futuros projectos para fazer avançar as aspirações da diáspora.
Cumprimentos,
Mário Francisco