Cláudia Varejão

© Matilde Viegas

Cláudia Varejão nasceu no Porto em 1980. Apaixonada pelo cinema desde tenra idade, estudou realização no Programa de Criatividade e Criação Artística da Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a German Film und Fernsehakademie Berlin, e na Academia Internacional de Cinema de São Paulo. Estudou ainda fotografia no AR.CO Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa. Autora da trilogia de curtas-metragens “Fim-de-semana”, “Um dia Frio” e “Luz da Manhã”, Cláudia Varejão apresentou, em 2022, o seu mais recente filme, “Lobo e Cão”, galardoado com o prémio máximo da excelência Giornate Degli Autori. Para além do seu trabalho como realizadora, Cláudia Varejão desenvolve simultaneamente um percurso como fotógrafa.

Como nasceu a paixão pelo cinema?

Não sei se podemos definir uma data, uma altura, mas acho que desde criança sempre gostei muito de máquinas fotográficas, microscópios, caleidoscópios, tudo o que fossem aparelhos que eu pudesse olhar e perceber que lá dentro existia um outro mundo. Um mundo que eu pudesse moldar. Talvez, o gosto pelo cinema venha desta descoberta: de que há imagens que contam histórias e que nós podemos construir essas imagens. Mais tarde, naturalmente, percebi que, a essas imagens, poderia juntar o som e a palavra. Acredito que a pedra de toque tenha sido nesta altura da minha vida, na minha infância.

Porquê realizadora?

O cargo de realizadora descobri depois da descoberta da minha paixão pela Direção de Fotografia. Foi através da imagem, do estudo da imagem e da luz, que comecei a trabalhar em cinema. Os meus primeiros trabalhos foram no Departamento de Imagem, como Assistente de Imagem. Só mais tarde percebi que o meu gosto era, de facto, trabalhar a imagem e ter uma proximidade muito grande com a luz e com a construção narrativa dentro das imagens, e poder moldar estes elementos todos. Portanto, percebi que o lugar certo, para mim, é o lugar de quem realiza os filmes, que mexe em vários elementos e que trabalha com diversos materiais.

© Matilde Viegas

De onde saltam as ideias para os seus filmes?

As ideias para os filmes vêm da vida e das relações humanas. Essa é a minha fonte, sempre.

Como é feita a escolha dos atores?

A escolha vem de processos de casting. Quase sempre trabalho em longos processos de casting, que me permitem procurar, através de uma amostra maior, as pessoas e depois escolhe-las.

Usa muito o silêncio nos seus filmes. Há sempre uma intenção por detrás desses silêncios?

O silêncio entra nos meus filmes tal como entra na minha vida e, creio que, na vida de todas as pessoas. A vida e o quotidiano não são preenchidos apenas por palavras. São também preenchidos por silêncios. E dentro dos silêncios há muitos acontecimentos, há o pensamento, habitam as emoções, os olhares, ou seja, as sensações, de uma forma geral. Portanto, os silêncios não são um lugar vazio, pelo contrário. São o lugar de uma multidão, não só de relações mas também de “sentires” e de “pensares”.

© Matilde Viegas
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O que lhe dá mais prazer: Escrever, realizar, ou montar o filme?

Tenho prazer do início ao fim. Gosto de todas as fases. E quando digo gostar, significa que me envolvo muito a sonhá-los, a pensá-los, a escrevê-los, a partilhá-los com a equipa. Na pré-produção, na rodagem, na pós-produção sinto prazer.

Qual a importância dos festivais de cinema?

Os festivais de cinema são montras e as montras valem o que valem. São lugares onde podemos aceder a filmes, que muitas vezes não têm uma vida no contexto comercial. Há muito cinema que só circula em festivais. Os festivais de cinema têm, portanto, esse lado de montra e de circuito singular. No entanto, os filmes têm uma vida muito para além dos festivais. Os festivais são apenas uma possibilidade para a sua partilha.

O “Lobo e Cão” a sua primeira longa de ficção. O que é este filme?

“O Lobo e Cão” é de facto a minha primeira longa-metragem de ficção. É um filme que construí no território da Ilha de São Miguel, com pessoas da ilha, e cujo elenco é todo micaelense. É um filme que se mistura muito com a teia do real, do quotidiano das pessoas, e em que a ficção ocupa um lugar de experimentação, de acrescentar algo à vida das pessoas que se emprestam e que emprestam os seus corpos e as suas histórias ao filme.
“Lobo e Cão” conta a história de Ana, uma jovem micaelense, e do seu melhor amigo, Luís, dois jovens Queer, que sentem que as suas vidas, de alguma forma, fazem parte da periferia do quotidiano da ilha. O filme acompanha esta relação muito próxima e também todas as pessoas que os rodeiam, como os amigos, também eles muito diversos, as famílias, e a própria vida local. É um filme que vive, tal como o próprio nome indica, entre dois semelhantes, mas que têm uma grande oposição. É um filme que vive entre dois opostos, entre uma vida muito tradicional e religiosa, e uma de liberdade, de experimentação, diversa e colorida. Diria que, é um filme não só sobre a juventude, mas sim, sobretudo, sobre a condição do ser humano se relacionar e desejar pertencer, sem perder a sua própria identidade.

O filme já deu origem a um novo projeto, a (A) Mar – Açores pela diversidade. Como nasceu esta ideia e quais são os principais objetivos?

A grande maioria do elenco é composto por jovens LGBTQIA+, cujas vidas, na grande maioria, fazem parte da periferia e de uma certa invisibilidade social. Fui sentindo durante o processo de casting que estes jovens precisavam de ajuda, mas não era ajuda de um filme, de uma ajuda criativa, artística. Precisavam de um lugar com profissionais da área da saúde, do campo social, que pudessem dar respostas imediatas e concretas a estes jovens e às suas famílias. Portanto, a (A) Mar – Açores pela diversidade é um centro de apoio a pessoas LGBTQIA+ e às suas famílias, que está integrado na APF – Associação para o Planeamento da Família, e que presta auxílio à população das nove ilhas.

Projetos para 2023?

Desde logo, continuar a partilhar o filme um pouco pelo mundo todo. Neste momento, estou também na fase de pré-produção de uma curta-metragem, chamada “Cora”, sobre mulheres refugiadas em Portugal, que chegaram recentemente vindas da Síria, Irão, Sudão, Ucrânia, Rússia, Afeganistão. Mulheres que trazem consigo pouca coisa física, dada a realidade que as obrigou a sair do seu país, mas que em comum trazem uma fotografia na carteira. O filme conta assim a história destas mulheres, a partir dessa fotografia.

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Como vê o cinema português na atualidade?

Parece-me que continua a ser um cinema artesanal, de enorme qualidade e diverso. No entanto, a diversidade de olhares e de vozes ainda é pouca. Parece-me que precisa ir ao encontro também das periferias, do que é ser português. A história de vida, as origens dos portugueses são muito diversas, os sonhos dos portugueses são muito diversos. Acho que ainda existe pouca representação dessa diversidade no cinema português e no cinema do mundo.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Acho que não tenho uma mensagem. Quando se partilha uma mensagem é assumir que as pessoas estão todas no meu lugar e que vão entender a mensagem da mesma forma. Cada caminho é único, o importante é que possamos arriscar nesse mergulho no escuro que, no fundo, é a criação.

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